Carta da Verdade
Disputas semióticas nos territórios da Realidade
Por Fernando Buen Abad Dominguez
“Não é o primeiro dever do que procura a verdade dirigir-se diretamente à verdade sem olhar à esquerda e à direita?”
K. Marx
Conquistar a verdade é um trabalho... é uma luta. A verdade não é uma moeda que apenas se possa dar e receber, no mercado da informação. Não nos digam que a verdade é “incognoscível” ou subjetiva porque o estado atual do conhecimento está limitado, enquanto fabricam esconderijos ou mentiras distorcidas, para dificultar o caminho do saber. A verdade alcança-se e defende-se com o esforço militante do pensamento e da ação organizados. Alcança-se na tensão dialética entre o erro e a certeza. No debate capital-trabalho. À margem do reducionismo. O problema da verdade (assim como o da mentira) é um problema humanista do nosso tempo. Só resolúvel na práxis.
Para nós, é fundamental uma concepção total e indissolúvel da espécie humana e do universo, no sentido, objetivo e subjetivo, da transformação do mundo. Para nós é fundamental um método crítico de toda a informação (num sentido amplo) que reflita a sociedade em que vivemos; portanto, em função dessa crítica, e como resultado dela, necessitamos de um plano de ação superadora, com um programa de transformação revolucionária, para a criação de um novo tipo de relações entre os seres humanos, rumo a uma nova ordem mundial da informação e a comunicação, sem um não retorno, lógico e político. A verdade ao alcance de todos. A melhor contribuição para o processo revolucionário é a crítica inspirada na lealdade, a crítica científica que fortalece a razão da luta para aprofundá-la. A crítica sem complacência, sem torpeza. A que alimenta a revolução e esmaga o capitalismo. Que seja dita a verdade.
Empenhar-se na procura da verdade, numa base semiótica concreta e científica, é, em mais de um sentido, uma mudança histórica que revoluciona a própria história. Transforma a procura e os seus métodos num instrumento magnífico. Não esperemos “boas-vindas” por parte dos poderes hegemónicos expressos nas suas trincheiras políticas, económicas ou académicas. As boas-vindas devem ser dadas, se oferecerem resultados válidos com bases na luta travada. Quem assume o dever de estudar e defender o problema da verdade, travada nas lutas de classes que se desenrolam nas suas entranhas, deve desenvolver métodos, hipóteses e teorias capazes de ascender à práxis correta que nada mais é que a práxis emancipadora liderado pelas bases.
As premissas de uma semiótica científica estão intimamente ligadas ao desenvolvimento histórico, às condições objetivas da economia e da vida material determinadas por leis objetivas e carregadas, por sua vez, de significado histórico, ainda que seja imperfeitamente explicito na sua própria práxis. A base do caráter científico da semiótica que devemos desenvolver exige, na sua própria definição, capacidades preditivas (e preventivas) sobre o destino marcado pelo modo de produção de sentido que interessa às classes dominantes e seus componentes essenciais. Como eles estão pensando e projetando a “manipulação simbólica”?
Falsificar a realidade é uma atividade sistémica do capitalismo, uma religião na qual as falácias são essência e necessidade vital para colocar, fora do olhar da classe trabalhadora, as formas e meios de roubar o produto do seu trabalho. Não só tornam invisível a mais-valia, como também nos atordoam com ilusões ou despesismos que tornam as vítimas cúmplices solidárias dos seus verdugos. A produção de embrutecimentos, bebedeiras e anestesias simbólicas tende a expandir-se e a produzir mutações aberrantes, famosas por serem muito lucrativas. A qualquer custo. Não nos cansaremos de repetir.
É uma necessidade imperativa prever até aonde a máquina criadora de falácias nos quer levar, e identificar os seus horizontes, seus métodos, seus recursos e suas consequências. A tarefa de produzir anticorpos e mobilizar com rapidez forças de defesa e de vanguarda no estudo da realidade e na busca da verdade, é crucial. Sem os relativismos tóxicos das filosofias ocas, sem as bugigangas ideológicas dos individualismos ou as metafísicas de caranguejo. A “nova ordem”, o “novo normal”, o “happytalism” (capitalismo feliz e progressista) já está no forno. Matrizes teóricas e “novas categorias” das quais surgirão cifras e paisagens para nos anestesiar a golpes de silogismos espúrios e “entretimentos familiares”.
Hoje, a “classe dominante” sabe bem o que necessita para sobreviver e está preparando o que é necessário para deter as forças revolucionárias que vêm de baixo. É tarefa da semiótica emancipadora, lutar em qualquer frente da disputa simbólica para descobrir, explicar e combater, todas as formas de escravidão. A história de que tanto a realidade quanto a subjetividade são incognoscíveis e imprevisíveis, deve ser combatida com ferramentas científicas que nos permitam provar como operam as ferramentas da dominação económico-ideológica e explicar como derrotá-las. A verdade, que não é propriedade privada, é um espaço de trabalho e luta permanentes de onde deve sair uma criatividade metodológica capaz de gerar informações corretas, com rigor ético e sem escravidão comercial. A verdade não é uma entidade intocável nem mística, é uma construção social que exige intervenção coletiva, debate e consenso. É uma responsabilidade coletiva. Requer força científica e vigilância irrestrita, sem amos, sem reformistas, sem oportunistas ou sectários. Cultivem os santos que cultivarem.
Não devemos temer a verdade, nem os mitos fabricados para desfigurá-la, nem seus acólitos. Não temer a verdade, melhor ainda, interrogá-la, socializá-la, democratizá-la, repolitizá-la tornando-a património da humanidade sob uma prática de ação direta e organização revolucionária. Desatar todos os véus que o cobrem e envolvem, desmentir todas as falácias que a cercam, destruir todos os templos e as masmorras que o envolvem. Emancipar a verdade e combater as falácias, venham de onde vierem, valham o que valerem. A verdade é um organismo social vivo, é dinâmica e pertence a todos. Há que conhece-la. Por que as mentiras de alguns hão de valer mais do que as verdades de milhões?
1 comentário:
Bom texto de Buen Abad,como é hábito .A máquina da desinformação é poderosa mas não é indestrutível .José Marti dizia""Se el periodismo es un culto,que lo sea a la verdad."Abraço
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