sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Carta da Verdade Disputas semióticas nos territórios da Realidade Por Fernando Buen Abad

Carta da Verdade

Disputas semióticas nos territórios da Realidade

Por Fernando Buen Abad Dominguez

“Não é o primeiro dever do que procura a verdade dirigir-se diretamente à verdade sem olhar à esquerda e à direita?”

K. Marx

 

Conquistar a verdade é um trabalho... é uma luta. A verdade não é uma moeda que apenas se possa dar e receber, no mercado da informação. Não nos digam que a verdade é “incognoscível” ou subjetiva porque o estado atual do conhecimento está limitado, enquanto fabricam esconderijos ou mentiras distorcidas, para dificultar o caminho do saber. A verdade alcança-se e defende-se com o esforço militante do pensamento e da ação organizados. Alcança-se na tensão dialética entre o erro e a certeza. No debate capital-trabalho. À margem do reducionismo. O problema da verdade (assim como o da mentira) é um problema humanista do nosso tempo. Só resolúvel na práxis.

 

Para nós, é fundamental uma concepção total e indissolúvel da espécie humana e do universo, no sentido, objetivo e subjetivo, da transformação do mundo. Para nós é fundamental um método crítico de toda a informação (num sentido amplo) que reflita a sociedade em que vivemos; portanto, em função dessa crítica, e como resultado dela, necessitamos de um plano de ação superadora, com um programa de transformação revolucionária, para a criação de um novo tipo de relações entre os seres humanos, rumo a uma nova ordem mundial da informação e a comunicação, sem um não retorno, lógico e político. A verdade ao alcance de todos. A melhor contribuição para o processo revolucionário é a crítica inspirada na lealdade, a crítica científica que fortalece a razão da luta para aprofundá-la. A crítica sem complacência, sem torpeza. A que alimenta a revolução e esmaga o capitalismo. Que seja dita a verdade.

 

Empenhar-se na procura da verdade, numa base semiótica concreta e científica, é, em mais de um sentido, uma mudança histórica que revoluciona a própria história. Transforma a procura e os seus métodos num instrumento magnífico. Não esperemos “boas-vindas” por parte dos poderes hegemónicos expressos nas suas trincheiras políticas, económicas ou académicas. As boas-vindas devem ser dadas, se oferecerem resultados válidos com bases na luta travada. Quem assume o dever de estudar e defender o problema da verdade, travada nas lutas de classes que se desenrolam nas suas entranhas, deve desenvolver métodos, hipóteses e teorias capazes de ascender à práxis correta que nada mais é que a práxis emancipadora liderado pelas bases.

 

As premissas de uma semiótica científica estão intimamente ligadas ao desenvolvimento histórico, às condições objetivas da economia e da vida material determinadas por leis objetivas e carregadas, por sua vez, de significado histórico, ainda que seja imperfeitamente explicito na sua própria práxis. A base do caráter científico da semiótica que devemos desenvolver exige, na sua própria definição, capacidades preditivas (e preventivas) sobre o destino marcado pelo modo de produção de sentido que interessa às classes dominantes e seus componentes essenciais. Como eles estão pensando e projetando a “manipulação simbólica”?

 

Falsificar a realidade é uma atividade sistémica do capitalismo, uma religião na qual as falácias são essência e necessidade vital para colocar, fora do olhar da classe trabalhadora, as formas e meios de roubar o produto do seu trabalho. Não só tornam invisível a mais-valia, como também nos atordoam com ilusões ou despesismos que tornam as vítimas cúmplices solidárias dos seus verdugos. A produção de embrutecimentos, bebedeiras e anestesias simbólicas tende a expandir-se e a produzir mutações aberrantes, famosas por serem muito lucrativas. A qualquer custo. Não nos cansaremos de repetir.

 

    É uma necessidade imperativa prever até aonde a máquina criadora de falácias nos quer levar, e identificar os seus horizontes, seus métodos, seus recursos e suas consequências. A tarefa de produzir anticorpos e mobilizar com rapidez forças de defesa e de vanguarda no estudo da realidade e na busca da verdade, é crucial. Sem os relativismos tóxicos das filosofias ocas, sem as bugigangas ideológicas dos individualismos ou as metafísicas de caranguejo. A “nova ordem”, o “novo normal”, o “happytalism” (capitalismo feliz e progressista) já está no forno. Matrizes teóricas e “novas categorias” das quais surgirão cifras e paisagens para nos anestesiar a golpes de silogismos espúrios e “entretimentos familiares”.

 

Hoje, a “classe dominante” sabe bem o que necessita para sobreviver e está preparando o que é necessário para deter as forças revolucionárias que vêm de baixo. É tarefa da semiótica emancipadora, lutar em qualquer frente da disputa simbólica para descobrir, explicar e combater, todas as formas de escravidão. A história de que tanto a realidade quanto a subjetividade são incognoscíveis e imprevisíveis, deve ser combatida com ferramentas científicas que nos permitam provar como operam as ferramentas da dominação económico-ideológica e explicar como derrotá-las. A verdade, que não é propriedade privada, é um espaço de trabalho e luta permanentes de onde deve sair uma criatividade metodológica capaz de gerar informações corretas, com rigor ético e sem escravidão comercial. A verdade não é uma entidade intocável nem mística, é uma construção social que exige intervenção coletiva, debate e consenso. É uma responsabilidade coletiva. Requer força científica e vigilância irrestrita, sem amos, sem reformistas, sem oportunistas ou sectários. Cultivem os santos que cultivarem.

 

Não devemos temer a verdade, nem os mitos fabricados para desfigurá-la, nem seus acólitos. Não temer a verdade, melhor ainda, interrogá-la, socializá-la, democratizá-la, repolitizá-la tornando-a património da humanidade sob uma prática de ação direta e organização revolucionária. Desatar todos os véus que o cobrem e envolvem, desmentir todas as falácias que a cercam, destruir todos os templos e as masmorras que o envolvem. Emancipar a verdade e combater as falácias, venham de onde vierem, valham o que valerem. A verdade é um organismo social vivo, é dinâmica e pertence a todos. Há que conhece-la. Por que as mentiras de alguns hão de valer mais do que as verdades de milhões?

1 comentário:

Olinda disse...

Bom texto de Buen Abad,como é hábito .A máquina da desinformação é poderosa mas não é indestrutível .José Marti dizia""Se el periodismo es un culto,que lo sea a la verdad."Abraço