(extrato de “A política desavergonhada”)
Público - 6 Jan 2023
António Guerreiro
(a imagem é minha)
«Encontramos uma exaltação das virtudes e
potencialidades da vergonha numa carta (muito conhecida por isso mesmo) que
Marx enviou a Arnold Ruge, em Março de 1843.
Nessa altura, Marx já se tinha instalado
em Paris, mas foi durante uma visita à Holanda que escreveu ao seu amigo:
“Estou em viagem pela Holanda. Pelo que posso saber pelos jornais locais e
franceses, a Alemanha está afundada na lama e aí se afundará ainda mais.
Asseguro-te que, ainda que me sinta longe de sentir o orgulho nacional, sem
dúvida que experimento a vergonha nacional”. E, a seguir, presumindo que o seu
interlocutor é bastante mais céptico do que ele e não tem nenhuma confiança na
vergonha, acrescenta: “Perguntar-me-á o que é que isso adianta. Não se faz a
revolução com a vergonha. E eu respondo-lhe: a vergonha é revolucionária [...].
Se um povo inteiro tivesse vergonha, seria como um leão pronto a saltar”. Marx
acreditava que a vergonha partilhada entre os oprimidos precederia o momento em
que ela seria dirigida contra o sistema, contra os desavergonhados,
manifestando-se como uma raiva contra a iniquidade do mundo e não contra o
próprio indivíduo portador de vergonha.
Esta espécie de crença política na vergonha (completamente diferente, por exemplo, da racionalidade política de Hobbes, toda centrada numa emoção branca e não vermelha, o medo), mostra que Marx tem aspectos muito actuais e interessantes precisamente nas partes menos centrais da sua “doutrina”. Uma política da vergonha revela-se hoje bem necessária.»
1 comentário:
Retive:" A vergonha é revolucionária (...)Se um povo inteiro tivesse vergonha, seria como um leão pronto a saltar." Que verdades...Abraço
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