O dia em que a União Europeia acabou
22 de Setembro de 2022
A História é em boa parte
pontuada pelos acontecimentos que marcam o fim de uma dada ordem política. O
império Romano findou em 476 quando o bárbaro Odoacro foi nomeado rei de Roma e
enviou as insígnias imperiais ao imperador Zenão do império do romano do
Oriente. O antigo regime feudal europeu terminou com a tomada da Bastilha, a
emergência da Inglaterra como potencia mundial, a passagem de uma potência
continental para uma marítima começou com a derrota de Napoleão em Waterloo, o
fim do império britânico aconteceu com a independência da Índia, o início do
império americano ocorreu com o lançamento das bombas nucleares no Japão e com
o dobrar do cerviz do imperador a reconhecer a derrota perante a devastação.
A União Europeia, uma entidade
que vinha desde o final da II Guerra a fazer o seu caminho mais ou menos
autónomo, reconhecendo que a Europa deixara de ser o centro do mundo em boa
parte pelas suas guerras civis — duas guerras mundiais só no século XX — e que
seria sensato aceitar um equilíbrio de poderes entre os europeus, defrontou
sempre um inimigo concreto: os Estados Unidos. Vários dirigentes americanos
perguntaram ao longo dos anos o que era isso da Europa, se tinha telefone. Os
Estados Unidos nunca aceitaram uma entidade política soberana europeia! E é
esta recusa de aceitar a soberania da União Europeia e de cada um dos seus
estados que determina e explica a política americana desde as primeiras
tentativas de criar mecanismos de integração política, social e económica, a
CECA, o Mercado Comum, a CEE. Quanto a deixar que a soberania europeia
dispusesse de um aparelho militar que sustentasse as suas políticas, nem
pensar! A relação dos EUA com a Europa foi sempre de tipo colonial! Como o foi
no Médio Oriente e na América Latina. Os Estados Unidos assumiram o estatuto de
soberanos mundiais. Agitaram perigos, inventaram inimigos, ocuparam
territórios.
Que os Estados Unidos tenham
lançado um poderoso bombardeamento de manipulação a bramar que a Rússia
invadira um país soberano (no caso liderado por uma oligarquia que eles lá
haviam colocado) faz parte do modo de exercer o poder totalitário: o que é
permitido ao senhor não o é ao servo! Também faz parte do principio da invasão
do Oeste americano, tem a tem a força estabelece a lei. Os EUA penduraram no
seu peito a estrela do xerife! Não são acusações, nem julgamentos morais, são
factos!
A aceitação do facto teve e tem
como consequência que os europeus se habituaram à servidão. Nenhum político
europeu chega a um lugar relevante se não jurar fidelidade ao Padrinho. A Mafia
também é um bom modelo para caraterizar as relações com a América. Esta
“rendição” europeia teve a qualidade de fazer os europeus considerarem os
serviços domésticos uma atividade nobre e o abanar das orelhas um gesto de
afirmação. Os Estados Unidos mandam os europeus olhar para a ponta do dedo e os
europeus olham para a ponta do dedo. As leis que impõem aos outros não se lhes
aplicam. Nem os conceitos. A soberania é um dos conceitos com que eles humilham
os europeus, como o dono de um cão faz atirando um pau para ele ir servilmente
buscar e trazer-lhe à mão. Para os Estados Unidos, Cuba, Granada, o Chile, o
Brasil, o Iraque, o Afeganistão, a Líbia não têm direito a soberania. São
invadidos ou sabotados. Já a Ucrânia foi elevada à qualidade de soberania
absoluta e inviolável.
Mas, ainda assim, os europeus
foram encolhendo os ombros e disfarçando, considerando que estávamos a assistir
a perversidades de uma potencia colonial sobre colónias, vizinhos turbulentos.
Os europeus recorriam ao seu material genético colonial e atribuíam essas
atitudes a um dever de civilização a povos do Terceiro Mundo.
A 22 de Fevereiro de 2022, os
europeus, os que ainda não têm o cachaço completamente calejado pela canga,
viram o império arrombar-lhes a porta da soberania sem um com licença! (A velha
reflexão de Brecht: vieram buscar os judeus e eu não era judeu, depois os
comunistas, depois os democratas… e agora entraram-me em cas!)
Os EUA impuseram à Europa o
envolvimento num conflito com a Rússia a pretexto da gravíssima ofensa da
soberania da Ucrânia, um Estado cujo regime eles criaram. Para impor essa
intervenção entenderam conveniente dar uma lição de domínio ao mais importante
estado europeu: a Alemanha. Atacaram a soberania da Alemanha (um aliado),
destruindo-lhe uma infraestrutura essencial , que o estado alemão havia
decidido construir e, mais ainda, porque estava no caminho, atacar a soberania
de outro estado europeu, a Suécia, realizando uma sabotagem nas suas águas
territoriais e, mais ainda violando a soberania europeia e o seu modo de vida,
causaram deliberadamente um desastre ambiental de dimensões desconhecidas e que
ninguém, nem os serviçais locais, os ribeirinhos do Mar Báltico, se atrevem a
reclamar, nem num murmúrio.
Todas as pessoas e todas as
entidades recebem o tratamento que deixam que lhes façam. Os dirigentes
europeus, no caso o chanceler alemão e a presidente da Comissão Europeia, se
tivessem uma gota de caráter teriam respondido a Joe Biden quando ele proibiu a
entrada em funcionamento do gasoduto Northern 2, a 7 de Fevereiro de 2022, na
Casa Branca, na cara de um servo chamado Sholz e este pobre diabo alemão ficou
mudo como genro que vive às contas da mulher e apanha um raspanete do sogro a
soberania europeia ficou como o gasoduto: em estilhaços. Perante esta abdicação
(humilhante) nenhum dos grandes atores da cena internacional terá qualquer
consideração pela UE. A irrelevância europeia, que traduz também em negócios,
em criação de riqueza, em participação nos grandes projetos do futuro foi a
enterrar com o senhor Sholz a fazer de gato pingado e a dona Ursula a fazer de
beata que lê os responsos fúnebres.
O que se esperava que alguém que
fosse mais que uma lesma dissesse a Biden seria: É um assunto que me diz
respeito. Eu também não me pronuncio sobre a exploração que o seu governo faz
de petróleo no Alasca, nem das consequências da produção através das rochas
oleosas. A Alemanha respeita a soberania dos EUA e exige que os EUA respeitem a
nossa soberania. Elementar.
Há poucos dias, numa visita a
Washington, a senhora que faz em Bruxelas o papel de moço de recados que
Zelenski representa em Kiev agradecia a Biden ele ter mandado para a Europa o
gaz e o petróleo resultante do caríssimo processo de fracking que substituiu o
barato russo, esquecendo-se de dizer que ao dobro do preço e a que custos
ambientais!
A União Europeia, entidade
soberana, com alguma autonomia no mundo terminou quando uma unidade da US
Navy’s Diving and Salvage Center colocou os explosivos C4 junto ao pipeline, em
águas territoriais suecas. Sabe-se hoje através da recente publicação da
investigação do jornalista Seymour Hersh que o planeamento da
operação começara nove meses antes: «A decisão de Biden sabotar os pipelines
foi tomada depois de nove meses de reuniões secretas no Conselho Nacional de
Segurança em Washington para definir a melhor maneira de atingir o objetivo.
Desde sempre a questão não foi SE a missão deveria realizar-se, mas como a
realizar sem evidências flagrantes dos autores.»
Interrogado sobre as
consequências de uma crise de energia na Europa, o ministro Americano dos
negócios estrangeiros, Blinken, respondeu: “Foi uma tremenda oportunidade para
de uma vez por todas afastarmos a dependência dos europeus da Rússia!” Mais
recentemente, Victoria Nuland, uma oficial da CIA que coordenou o golpe em Kiev
que levaria Zelenski ao poder, a que declarou perante as dúvidas do embaixador
americano a propósito da posição europeia: «Quero que a U E se foda!» e é hoje
subsecretária de estado, expressou a sua satisfação pelas notícias da sabotagem
do pipeline. “ A Administração está muito feliz por saber que o
Nord Stream 2 é agora um bocado de ferro velho no fundo do mar!”
É com estes sérios defensores da
soberania dos outros estados que estamos a defender a soberania do Zelenski na
Ucrânia. A União Europeia está no mesmo fundo do mar e nas mesmas condições do
ferro velho do Nothern 2.
https://peoplesdispatch.org/2023/02/10/how-america-took-out-the-nord-stream-pipeline/
1 comentário:
Um militar culto e lúcido. Felizmente há outros. Infelizmente ,são os militares de pensamento único que nos entram pela casa dentro via televisão, impingindo mentiras ornamentadas de algumas verdades. Abraço
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