CARLOS
MATOS GOMES
[uma voz necessária]
PORTUGAL É UMA ILHA?
Portugal é uma Ilha? Quem ouvir os jornalistas que
interrogam os políticos em campanha e o enxame de comentadores que esvoaçam
sobre eles como moscas varejeiras só pode concluir que sim. E mais, uma ilha
fora do tempo e do espaço, por onde não passam correntes marítimas nem
anticiclones. Um território no meio do nada.
Ouvindo os assuntos que os jornalistas e respetivos
enxames colocam aos políticos descobrimos que Portugal não sofre influências
externas — não ouvi uma única questão sobre os impacto da guerra na Ucrânia,
nem do genocídio de Gaza, nem da ação dos guerrilheiros d Iémen sobre as rotas
marítimas do comércio, nem sobre as consequências do corte da Europa Ocidental
com a Rússia, nem da desindustrialização e deslocalização das indústrias
alemãs, o motor europeu, nem sobre a emergência dos BRICs e a nova moeda de
troca mundial, nem sobre a má relação da União Europeia com o Mercosul, nem
sobre o conflito no interior da oligarquia dos Estados Unidos entre os adeptos
da intervenção externa como motor da economia (Democratas, maioritariamente) e
os adeptos do investimento interno (Republicanos maioritariamente), nem sobre a
relação entre o Euro e o Dólar, nem sobre a política do BCE (que é decisiva
para a questão da habitação, por exemplo), nem sobre os pesadíssimos
investimentos previstos na Europa para despesas militares a pretexto de uma
ameaça de invasão Russa que tem sido difundida, em detrimento de investimentos
produtivos.
Portugal é uma ilha? Parece que sim. Tudo é prometido
sem que seja formulada a questão: como? Já agora, como vai ser mantido o
turismo no Algarve sem água? E que impacto é que tem a redução do IVA na
restauração se não tivermos clientes para se “restaurarem”?
O que responderá um dirigente político à pergunta:
Quanto oferece de aumento de salários, seja o mínimo, o médio, o do setor
privado ou da função pública, se o governo não controla nenhum dos fatores do
custo de vida, se estes dependem da situação mundial, das guerras, das
alianças, da bolsa de valores de Wall Street? No entendimento dos fotógrafos à
la minute que surgem nos ecrãs nem vale a pena perguntar, nem comentar o que
não foi dito. Penso que terá sido Cícero quem escreveu que o inimigo da verdade
não é apenas a mentira, mas principalmente o silêncio.
O silêncio sobe os fatores determinantes do que está
em jogo nas eleições é revelador da manipulação a que estamos sujeitos,
levando-nos a discutir o puzzle de arranjos para formar um governo, se A casa
com B e rejeita C. Se B não casa com C, mas se junta e conta com a complacência
da sogra de A. É disto e sobre isto que se desenrola a campanha de
esclarecimento. Histórias de becos e de vão de escada, de vidas comezinhas.
A alegoria da gruta de Platão é uma história retirada
de A República, em que nos pedem para imaginar uma espécie de
caverna subterrânea em que os seres humanos vivessem como prisioneiros desde
sempre e possui uma parede de modo a que eles vejam somente o que se passa na
parede paralela. Sombras do que os que estão no exterior querem que eles
entendam como realidade, a única imagem que os prisioneiros conseguem ver. Os
de fora falam e gritam, criando ecos que os prisioneiros podem ouvir. Sombras e
ecos são projeções distorcidas das imagens e dos sons reais. Saramago recriou
de certo modo esta alegoria de sermos colocados em modo de ilusão em Ensaio
Sobre a Cegueira.
Não abordar a questão da dependência de Portugal do
estado do Mundo é fazer dos portugueses prisioneiros cegos. A melhor apreciação
dos que criam este silêncio é o de ignorantes. A outra é a de manipuladores que
utilizam a ignorância do seu público para lhes venderem ilusões.
2 comentários:
Excelente trabalho.
Vale tudo para nós venderem um produto único, que apenas serve para adorno, na entrada das nossas casas.
"Felizes" dos ignorantes. Nada de pensamento.
Comentário bem pertinente, se nos hipotecaram à CEE hoje UE, foi para protegerem a garantia de dominação de classe sem se importarem minimamente com a independência e defesa da dignidade do povo português. Até o orçamento de estado só pode ser discutido na AR depois de aprovado pelos tecnocratas de Bruxelas. Todos os desmandos que o poder instalado tem cometido contra o povo português, foi no cumprimento de ordens cumpridas com prazer desde que os malefícios não só não os atingem como beneficiam do seu quinhão.
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