domingo, 3 de agosto de 2008

Há 40 anos caiu da cadeira que não era eléctrica

O MUSEU DO MANHOLAS


Povo que dorme, tirania que desperta.”

O Arco de Sant’Ana – Almeida Garrett


Os ideólogos do terror são como a Hidra e se não permanecermos despertos e vigilantes estamos sujeitos ao que, tão sabiamente, Garrett sintetiza deste modo: “Povo que dorme, tirania que desperta!».

Os fascistas de serviço, de tempos a tempos, lançam a ideia da construção do museu do seu ídolo e patronoaquele que tinha na secretária as fotografias de Adolfo Hitler e Mussolini -- e porque nunca se sentirão satisfeitos, se conseguissem levar a cabo tão macabros intentos imporiam, mais tarde, a ida do pantasma para o Panteão e tudo aconteceria, obviamente, dentro da normalidade democrática, espezinhando embora a Constituição, caso não houvesse quem se impusesse a tais desígnios, ou seja, os que se mantivessem acordados.

Há, pois, quem se insurja quanto à concretização do museu consagrado a Salazar e, dentro dos moldes propostos, esta preocupação é saudável.

Mas o ditador não deve ser esquecido; as novas gerações devem saber quem foi e os sofrimentos que causou para que mais tarde, na base da ignorância colectiva, não possam impor a imagem beatificada daquele que personifica o fascismo por todos nós sofrido.

E porque nunca é demais recordar todos os malefícios por ele causados, considero que devíamos aproveitar essa magnífica oportunidade para criar um museu que recordaria os quarenta e oito anos de miséria e da repressão para a manter.

Seria um espaço amplo, onde fosse possível reproduzir as “frigideiras” e algumas celas do Tarrafal, com acesso a uma base de dados que permitisse um profundo conhecimento do “campo da morte lentaonde muitos foram assassinados, negando-lhes, muito simplesmente, os medicamentos, tais como o quinino, indispensável para suportar as febres palustres.

Deveriam também constar informações detalhadas sobre o analfabetismo por ele imposto – o povo devia saber ler e contar, dizia eleassim como a repressão generalizada a que não escaparam os intelectuais dignos que nunca se vergaram.

Um amplo pavilhão sobre a emigração. Quantas famílias desfeitas; quantos dos que emigraram a salto para fugir à fome e à guerra ficaram pelo caminho.

Um outro grande espaço sobre a guerra colonial. Dez mil mortos, quantas lágrimas, quanta dor e luto; quarenta mil estropiados, como contabilizar o sofrimento que ainda se mantém; sem esquecer os duzentos mil afectados psicologicamente!

Por que não expor toda esta herança deixada por essa sinistra personagem?

Porque a repressão não se manifestou nas perseguições políticas dos assassinatos à bala, em plena rua, ou na tortura até à morte; a repressão descia ao quotidiano no beijo que era proibido dar; tão grave delito estava sujeito a coima tal como o portador de isqueiro que não tivesse licença.

Querem museu? Porque não?! Proporia mesmo que se criassem ecomuseus em cada Região, Província, concelho, cidade, bairro e se fizessem levantamentos fotográficos de como se encontravam os caminhos, a falta de saneamento básico, o acesso à água nos fontanários ou nascentes de chafurdo, a iluminação eléctrica que à maior parte dos lares chegou com o 25 de Abril: tudo o que pudesse recordar às populações a situação degradante em que tinham vivido seria exposto.

E ao museu as escolas, periodicamente, conduziriam os alunos em visitas de estudo para que as novas gerações melhor se apercebessem de todo o mal que nos fez e do estado miserável em que deixou a Pátria que nos recusou durante quarenta e oito anos.

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