segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Se!..


“O emprego depende do crescimento; o crescimento, da competitividade; a competitividade, da capacidade de suprimir empregos. Isso significa dizer: para lutar contra o desemprego, nada como despedir!”

Viviane Forrester in Uma Estranha Ditadura

Portões fechados! Nada de extraordinário para quem passa; um drama para os trabalhadores, impedidos de entrar.

Portões fechados! Liberdade acorrentada, barreiras de acesso ao futuro, milhares de famílias, prisioneiras da fome frente ao brasão da retoma anunciada: um cadeado

Observo essa força de trabalho disposta a criar riqueza, operárias e operários, dentes cerrados, lágrimas de mágoa e cólera, frente aos portões das fábricas onde diariamente trocavam suor por pão e deixaram anos de vida e a juventude que jamais poderão recuperar.

Oiço os comentários inócuos do repórter, e as imagens breves limitam-se a constatar um facto, nada mais: “fechou mais uma fábrica que transfere a sua actividade para…”. Algumas lágrimas, em primeiro plano, e porque a emoção se vende bem ao jantar, dão-se alguns segundos de visibilidade à ocorrência, não se podendo afirmar, deste modo, que tivessem ignorado o crime; de forma alguma!

Os analistas oficiais, não se ocupam de questões tão comezinhas. Para preencher tempo e demonstrar seus doutos conhecimentos, debitam percentagens, fabricam argumentos que justifiquem a “inviabilidade” da empresa, a necessidade de “reestruturação”; critica-se a “produtividade”, apelidando de fenómeno a rapina cada vez mais feroz da mais-valia de que se nutrem, sem quaisquer resquícios de consciência cívica. Fenómeno, assim o denominam como se de trovoadas ou vendavais se tratasse; sonegar o pão de quem trabalha: fenómeno!

Aos desempregados, Alguém os classificou como “exército industrial de reserva” elucidando que são “matéria humana sempre explorável e sempre disponível”. Tolices do senhor Karl Marx, porque qualquer imbecil sabe que quanto maior é o desemprego mais sobem os salários. Não é verdade? Claro!

O senhor professor que perora desde a couve-de-bruxelas ao buraco negro e um outro sujeito que com este disputa audiências televisiva à mesma hora não se disponibilizam a comentar trivialidades. Despedimentos… famílias inteiras lançadas no desemprego tornou-se banal e a banalidade é opaca para quem usa óculos de classe, melhor: a óptica de classe desses senhores que usufruem milhares e milhares de contos mensalmente.

Além do mais, o tempo escasseia porqueque repetir pela enésima vez as mesmas imagens do Freeport ou do BPN ou ainda a do senhor Cruz que se arrastam há de não sei quantos anos. Espremem-se os mediáticos causídicos e ouvem-se as doutas opiniões de politólogos, astrólogos e outros cómicos.

Entretanto, de olhos marejados, as imagens aparecem-me através de num nevoeiro de tristeza.

Procuro decifrar a angústia dessas mulheres e homens que, sem alternativa, vêem, assim, de chofre, questionada a própria sobrevivência. Retenho-me nos rostos, expressões que não esqueço e sou incapaz de descrever.

O trabalho gerou em nós e desenvolveu instrumentos de civilidade e cidadania, camaradagem e sociabilidade sem os quais a vida deixa de ter sentido; o despedimento é uma amputação que provoca desajustamentos familiares, rompe compromissos económicos e para os que não aguentam tamanha pressão os suicídios são frequentes.

Dezenas de trabalhadores entram diariamente no desemprego e não se pense que são os empregados de escritório ou os trabalhadores não qualificados dos serviços de comércio, não, os especialistas das ciências físicas, matemáticas e engenharia são aos milhares sem trabalho.

Gente bem nutrida não se cansa de repetir que a partir de 2010 tudo será melhor se… a conjuntura o permitir.

Se!

1 comentário:

Mário Pinto disse...

Pobres que acreditam nesse deus, a conjuntura. Mas quando seremos nós a decidir?
Até lá, e com esta actitude, só com a chuva já basta.

A revolução é hoje!