segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Qual o melhor caminho?



Qual o melhor caminho?

“O macaco ficou maluco de espreitar por trás do espelho.”
 in “O Último Voo do Flamingo

É vulgar pararmos num cruzamento, dirigirmos-nos a um grupo de indivíduos que se encontre, colocando-lhes a sacramental questão: “Podem informar-me, por favor, qual o melhor caminho para…”. A pergunta aparentemente inócua perturba o grupo, dado que coloca cada uma das personagens a pensar por si, na base dos seus conhecimentos e experiências, obrigando-as ao mesmo tempo a expor a sua opinião à apreciação do próprio grupo, sujeitando-se às criticas que aceleram a discussão.

Comummente, é certo e sabido que, dada a divergência de opiniões que surgem em catadupa, acabamos por nos safar com muitos agradecimentos e procurar o caminho com mais ou menos dificuldade, tendo em conta algumas deixas captadas na discussão que, normalmente, continua provocando roturas e consensos.

Consciente da perturbação que iria causar, arrisquei em colocar junto de um daqueles grupos em que uns jogam às cartas e outros dão palpites: “Qual será o melhor caminho para a felicidade?”

Um dos componentes do grupo, com os seus setenta anos bem contados, pala do boné descaída sobre a testa e ensebada pelo uso, e mãos deformadas pelo esforço, olhou-me friamente e desdenhoso perguntou-me: “O que é isso?”.

Outro dos presentes, olhos no chão como quem procura encontrar não sabe bem o quê, respondeu como se falasse para si próprio: “Passei por , mas não sou capaz de lhe dizer onde fica, para lhe ser franco nem sei se de facto estive ou se sonhei ter estado, o que nos parece ser bom passa tão rapidamente…”

Foi então que se acendeu a discussão no grupo, tendo-me sido colocada uma pergunta pertinente: “Tem pressa ou prefere um caminho seguro?”.

Não fui capaz de responder, nem nenhum deles esperava qualquer resposta porque, de imediato, continuaram: “Se for pela auto-estrada a viajem é monótona, cara e perigosa; ultrapassa ou é ultrapassado, ninguém respeita os limites de velocidade e com frequência somos obrigados a parar, devido a acidentes graves.

Conheço um trajecto que tem muitos desvios, não é reconhecido nos GPS e sem guia perde-se de certeza, além do mais, o caminho é pedregoso e a progressão é lenta. É dificultoso mas é bonito, acrescentou um sujeito de voz aflautada; as pessoas são acolhedoras e, à medida que alguém as conhece, confunde-se com o seu destino que será também o seu porque percorrido por si.

Um dos jogadores, até então aparentemente alheio à discussão, lançou a última carta sobre a mesa com a energia com que habitualmente se lança o trunfo vencedor, recolheu todas as cartas, levantou o olhar para mim, estudando o tipo que tinha à sua frente, e dirigindo-se-me quase piedosamente: “O que você procura não existe, faz-se e é nesse fazer que se encontra o que procura; a felicidade está no caminho e na procura, no empenho e na alegria que pomos no que fazemos para o bem comum, lutando por uma sociedade justa, e porque nós somos o que fazemos e como fazemos, a alegria e o bem-estar reflectem-se em nós; eu fui feliz toda a minha vida porque pensei sempre mais nos outros do que em mim e porque com os outros me preocupava sempre, também eles se preocuparam comigo. Nãocaminho para a felicidade; a felicidade estará no caminho que trilharmos.

Reuniu as cartas que mansamente foi baralhando ao mesmo tempo que, com doçura, falava como se reflectisse: a vida é isto, qualquer destas cartas tem valor dentro deste baralho, o próprio rei ou o ás nada valem se lhes faltarem as cartas tidas como de menos valor.

Nãodestino, há caminho!...


4 comentários:

filipe disse...

Uma fábula...fabulosa! Onde nem falta uma boa lição final.
De facto, são todas as cartas que fazem um baralho. E quem assim não pensa e julga poder jogar com um baralho incompleto, jogando somente com os "azes", com os "reis", "damas" e "valetes", tarde ou cedo fica a jogar sózinho - ou pior, fica a jogar muito mal acompanhado - e tudo perde!...
Abraço.

trepadeira disse...

Vamos fazer o caminho,cantando,de braço dado com quem quer acompanhar-nos.

Um abraço,
mário

Olinda disse...


Certo,O caminho faz-se com todos os companheiros,rumo ä felecidade.

Sérgio Ribeiro disse...

... que se faz ao andar!
Não é como dizia o António Machado?

Um abraço, hoje, amanhã e depois!