“Um
vazio repleto
de nada”
de “A Memória dos Esquecidos”
de “A Memória dos Esquecidos”
Estava um espelho! Como diria a minha tia Guilhermina.
O homem era o padrão de qualquer vencedor, na garbosidade de um puro-sangue ao pisar a arena triunfante.
A sela, perdão, a indumentária gizada a rigor, resplandecia na harmonia das cores e acerto de tonalidades.
Soprado pelo eflúvio do sucesso, andava… planando. E tal como a borboleta estouvada, acreditava que a terra girava à sua volta e o sol era um dispensável pirilampo.
O perfume suave não se impunha, adivinhava-se, deixando à sua passagem o preço e o rótulo da marca que a publicidade impôs.
Insensato e insensível, o relógio de marca marcava-lhe as horas de sucesso na chefia da equipa a quem fora confiada a reestruturação da empresa, onde procedia ao seu emagrecimento, eufemismo usado pelos terroristas que abatem trabalhadores junto à vala comum do desemprego.
Pagavam-lhe
para racionalizar a gestão, alterar os métodos de produtividade, tornar a empresa competitiva, triar e estabelecer o quadro de excedentes exigindo-lhe que reforçasse o léxico da desgraça, os velhos palavrões a não esquecer: deflação ou moderação salarial, flexibilidade, fluidez e mobilidade do pessoal, lógica económica, engenharia financeira, precariedade de emprego e que riscasse vocábulos e termos como: acumulação capitalista, exército industrial de reserva, luta de classes, comissão de trabalhadores, greves e outros horrores.
O parasitismo, a pedagogia do oportunismo deveriam ser reverenciados e, ao marxismo, considerá-lo um novo estilo de marcha: o “marchismo”.
Socorrendo-se
de todo o arsenal legislativo encomendado pelo patronato, a fase mais difícil da sua tarefa estava terminada: rescisão de contractos, transferências, chantagens, falsas promessas. Casa limpa, objectivos atingidos, missão cumprida!
Bem merecia um almoço compensador. Seleccionou um restaurante de frequência requintada, entrou, procurou uma mesa central, colocou o telemóvel discretamente visível, encomendou a refeição pelos preços elevados do cardápio, escolheu um vinho cujo rótulo era por si uma referência, provou-o e aprovou-o, numa expressão de condescendente assentimento, e recostou-se satisfeito.
Nem
um só pensamento para os que deixavam de ter garantidas para os familiares e para si as indispensáveis refeições!… Para este guru a selva do salve-se quem puder é constituída por vencedores e vencidos, lei que aceita como natural… Naturalmente!
E enquanto a equipa continuou burilando pormenores da sórdida tarefa, aproveitou as férias oferecidas nas Seychelles.
Ao
regressar estava despedido!
2 comentários:
Porquê? Será que chegara o dia da Revolução?
Um beijo.
Bom texto.O capitalismo fabrica descartâveis,do pê para a mao!
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