Centeno deita abaixo a economia mundial
(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 12/02/2016)
O mundo económico mundial está em ebulição, mas
certas afirmações divulgadas por cá dão a entender que o furacão nasceu aqui,
em Portugal. Até Wolfgang Schäuble, o ministro alemão das Finanças, com tantas
coisas para se preocupar, veio falar de nós, do nosso Orçamento e da
necessidade de continuarmos a fazer as reformas que ele acha que temos de
fazer. Parece um pouco exagerado concluir que o Orçamento do Estado 2016,
elaborado por Mário Centeno, possa estar a ter este efeito devastador no
planeta. Mas quem sabe? A economia é uma ciência tão pouco exata…
Eu hoje devia copiar o José Ferreira Fernandes,
que escreveu um texto notável sobre “As más ondas gravitacionais de Portugal”.
Acontece que como ele já escreveu, eu tenho de ir por outro lado. E o outro
lado é perguntar o seguinte: se a Comissão Europeia aprovou o OE 2016 de
Portugal, se impôs medidas adicionais que foram introduzidas no documento, se o
défice de 2,6% passou para 2,2% e se o défice estrutural (esse indicador vudu,
sobre cujo cálculo não há acordo) já se reduz 0,4 pontos em vez de 0,2, como é
que depois dessa aprovação vem dizer que Portugal tem de preparar e anunciar
desde já novas medidas adicionais? É que das duas uma: ou a Comissão não
acredita numa linha do que está escrito no Orçamento e então devia recambiá-lo
e obrigar o Governo português a elaborar outro OE; ou se o aprova depois de
tantas correções não tem o direito de vir dizer que é necessário preparar desde
já e anunciar medidas adicionais.
Das duas uma: ou a Comissão não acredita numa
linha do que está escrito no orçamento e então devia recambiá-lo e obrigar o
Governo português a elaborar outro OE; ou se o aprova depois de tantas
correções não tem o direito de vir dizer que é necessário preparar desde já e
anunciar medidas adicionais
A Comissão e o Eurogrupo não fazem isto por
questões técnicas. Fazem-no por questões políticas. Não querem nenhuma ovelha
tresmalhada fora do rebanho. Não querem sobretudo maus (para eles) exemplos.
Não querem que um Orçamento com orientações claramente diferentes das que eles
defendem, apostado no crescimento através também (mas não só) de aliviar o peso
fiscal que incide sobre os rendimentos das famílias e devolver salários que
foram cortados durante a crise, possa ser aplicado e comprovar na prática que
pode obter sucesso com muito menos dor social do que a alquimia que defendem. O
que eles querem é que continue a flexibilização cada vez maior das leis
laborais e dos despedimentos, a redução dos custos de trabalho para as
empresas, a diminuição drástica de todos os apoios sociais, as privatizações de
empresas públicas ou subconcessão a privados e o alívio da carga fiscal para as
empresas mas não para as famílias. Tudo o que não alinhe por este diapasão tem
de ser esmagado e, se possível, humilhado (como foi no caso da Grécia).
Não chega o recente relatório do Tribunal Europeu
de Contas ter passado um atestado de incompetência técnica e de facciosismo
ideológico aos processos de ajustamento que foram aplicados nos países do sul
da Europa. Não chega a devastação social, económica e financeira que se
verificou em muitos países do Velho Continente. Não chega que a União continue
com taxas de crescimento agónicas, apesar de tantas reformas, tantos cortes
salariais, tanto emagrecimento dos Estados sociais. Se a receita não resulta é
porque é preciso fazer ainda mais reformas, mais cortes, mais emagrecimento do
Estado social.
E quando provavelmente ia brotar um esplêndido
mundo novo, eis que chega Mário Centeno com o seu Orçamento e as bolsas entram
em derrocada, as taxas de juro disparam, o pânico instala-se! O ministro
português das Finanças está seguramente a deixar os seus pares espantados – e ele próprio deve estar
um bocadinho surpreendido com a balbúrdia que conseguiu provocar.
1 comentário:
Felizmente que existem vozes sensatas e inteligentemente irónicas,a contrapor outras transvestidas de democratas.Abraço
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