PORQUE É QUE OS POBRES NÃO "LAVAM" DINHEIRO?
O senhor Júlio não compreendia a agitação de tanta
gente inteligente: professores, doutores e até engenheiros. O caso devia ser
bicudo, pensava. Um desses senhores, apresentado como “especialista” concluiu
que “era de desconfiar
quando alguém
aparecia com muito
dinheiro”; tudo novidades.
Não creio mesmo
que alguma vez
se tivesse ousado pensar
que não
era lícito
o dinheiro quando
surge às golfadas, ainda
manchado de sangue.
Alertavam ainda,
haver somas
exorbitantes que estavam a ser lavadas em bancos, seitas,
casinos e noutras lavandarias de igual
respeitabilidade, como o BES, BPN louváveis instituições de caridade.
O senhor Júlio procurou saber se no bairro havia algum
offshore e se os alvarás das lavandarias teriam sido caçados.
O burburinho televisivo sobre o “panamá de papel” veio
baralhar ainda mais o senhor Júlio e toda a população do bairro. Não fossem
desconfiar de alguns trocos guardados num tacho, e, para não
levantar suspeitas
ninguém ousava pagar
com notas
de cinco euro. Os vizinhos
vigiavam-se desconfiados. A dona Gertrudes nunca
mais vestiu o casaco
de caraculo (100% polyester), e o Mário da mercearia
nem estreou o chinó.
Para chatices,
diziam, já bastava as que tinham, não
viesse a bófia pedir-lhes contas e saber se tinham ou não dinheiro para
lavar.
O senhor Júlio, ainda não se
refizera do choque. "Lavar"
dinheiro!?... Com
o prato da sopa
a meio caminho
da notícia, perdera o apetite.
Lavar dinheiro!...
Ele e a sua
Joaquina que não
haviam feito outra
coisa em toda a sua vida: Lavar. Ele lavou barcos,
lavou ruas, lavou carros,
lavou tudo. Tudo
o que encontrou sujo
lavou, desengordurou, poliu. E a sua companheira, fez barrela,
branqueou, esfregou casas, escadas, tudo. Tudo o que
estava sujo, lavou. E o que é que têm hoje? Uma reforma suja
para não lhe chamar nojenta.
Mas essa de lavar dinheiro até podia servir de biscate, pensava o senhor Júlio que
abandonou a sopa e foi até ao banco do
jardim procurar
alguém que
o elucidasse sobre tão
bizarra
notícia.
E ia cogitando: “Isto
deve estar muito
mau. Os ricos
a lavar!... Eles
que por
onde passam só
fazem imundice.”
E continuava sonhador:
“Desconfiam dos ricos. dos bancos e das seitas é natural,
ninguém sabe como
conseguiram tanto dinheiro
em tão
pouco tempo;
mas o Júlio... O Júlio e a Joaquina todos conhecem cá
no bairro. Foram sempre
pessoas sérias. O governo e os seus ministros pode confiar
mais num dedo
do Júlio do que em
todos os banqueiros.
Todos.”
E já idealizava uma lavandaria moderna,
subsidiada pela U.E. máquinas de lavar, secar, passar... Um brinquinho!
Pobre senhor Júlio, de consciência asseada, que
só soube amealhar
miséria durante
toda vida. Não. Ele nunca conseguirá compreender,
na sua bela
simplicidade, que
a sujidade não está no dinheiro,
mas nas mãos
de quem dele se apoderou.
E que esse dinheiro quando muda de bolso não troca de fato, ou se muda de farpela não
altera o seu objetivo: Continuar
do mesmo modo
a espalhar o terror
e a sordidez na bulimia sem limites do mais e mais,
despedindo, fechando fábricas e entrando
no submundo da especulação.
Tampouco se apercebe que
os donos dos bancos
são os banqueiros,
os concessionários dos casinos, os grandes magnates, banqueiros
também alguns
deles, bondosas criaturas que acolhem no seu
seio, digo, sua
teta, todos
os que estejam à venda,
melhor ainda
se estão em saldo,
projetando-os na vida política como seus servidores.
E que os senhores do dinheiro
possuidores dessas respeitáveis instituições de caridade,
são os “jet-Set” que se pavoneiam
pelas colunas sociais
de mistura com
ministros, proprietários
sinistros e outros
benquistos do poder,
num mundo que
o senhor Júlio nem
imagina que exista.
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