Internet
para pobres e ricos
Em
data muito recente, a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos
decidiu revogar as regras que impedem os fornecedores do serviço de internet de
acelerarem, bloquearem ou tornarem mais lento o acesso a certos conteúdos,
aplicações ou sítios de rede. A administração Trump cumpre deste modo a sua
promessa de desmantelar a regulação herdada do seu predecessor e posta em
marcha no ano 2015 para garantir a neutralidade da internet. Os argumentos são os
mesmos que pudemos ouvir vezes repetidas para justificar a desregulação: a
intervenção governamental é um obstáculo para o investimento e para a
introdução de inovações, o que impede o refinamento do serviço.
Inicia-se
desta maneira a destruição do princípio de não descriminação na rede. As
implicações desta série de medidas chegam a todas as áreas das comunicações e
da vida democrática. O acesso a vozes independentes e ao conhecimento
científico corre um perigo mortal. E isto não é um problema privativo dos
Estados Unidos. As suas ramificações para o México e para a Europa podem ser
devastadoras.
A
votação na FCC foi cerrada, dado que dois dos cinco comissários votaram contra
o projeto de desregulação a que deram o nome enganador de Ordem para restaurar
a liberdade na internet. O resultado final assume uma enorme importância porque
é a primeira vez que a referida agência renuncia à sua missão de servir o
público. O mais negativo de tudo isto talvez seja o facto de privar a FCC dos
meios para intervir quando algum provedor de serviços da internet começar a
manipular tarifas, velocidades de acesso ou cair na tentação de bloquear
conteúdos que considere indesejáveis.
Muitos
analistas consideram que o mais grave da desregulação é o facto de vir a ser
muito difícil que os utentes se apercebam do que está a acontecer com o seu
acesso à rede. Em alguns casos poderão experimentar uma lentidão não habitual
para acederem a uma certa página ou canal. Noutros pode acontecer que recebam a
notificação de que o sítio que procuram não está disponível. Em troca, outros
sítios poderão ser acessíveis a muito boa velocidade e sem o risco de o sinal
ser interrompido. Os utilizadores ficarão perplexos. Sem o saberem, terão
perdido o controlo que anteriormente tinham para escolher livremente o seu
roteiro na navegação. De um golpe, a internet terá deixado de ser o espaço
livre a que estamos habituados, convertida que foi num recinto cercado onde
tudo é possível para os operadores, desde a descriminação por conteúdos até à
censura descarada.
Nas
audiências públicas no seio da FCC sobre estas reformas, os representantes das
principais companhias prestadoras de serviços de internet garantiram que nunca
adoptariam este tipo de práticas em detrimento da livre circulação de ideias em
termos igualitários. Mas é absurdo acreditar na palavra
desta gente. Esses mesmos provedores investiram milhões de dólares em cabalas e
conspirações para obterem esta desregulação.
Um
dos argumentos para justificar a destruição da neutralidade é que a
desregulação permitirá que se aumente a competição no sector. Mas o certo é que
o sector está prisioneiro de um férreo oligopólio que hoje procura garantir a
rentabilidade ao construir o muro digital que separaria a internet para ricos e
pobres. Nos Estados Unidos as três principais companhias neste sector
(AT&T, Verizon e COMCAST) controlam mais de 70 por cento do mercado de
banda larga de alta velocidade (definida pela FCC como uma capacidade superior
aos 25Mbps), e os dados do censo de telecomunicações mostram que só nove por
cento dos utilizadores podem escolher entre dois ou mais prestadores do serviço
de alta velocidade. Ou seja, trata-se de um mercado altamente concentrado no
qual é difícil que a desregulação incremente a competição e permita reduzir os
preços.
Para
países como o México ou os membros da União Europeia o exemplo que vem dos Estados
Unidos é uma péssima notícia. No México o mercado também se encontra altamente
concentrado. A Lei federal de telecomunicações preserva supostamente o
princípio de neutralidade da rede. Mas o excelente estudo de Luis Fernando
Garcia e Carlos Brito, da organização R3D., revela que as linhas orientadoras
de aplicação da lei não foram emitidas, o que é um mau presságio. Por outro
lado, a renegociação do TLCAN pode ser o cavalo de Troia para impor as nefastas
reformas de Trump no espaço digital mexicano. Se a isto acrescentarmos os
termos da nova Lei de Segurança Interna o panorama torna-se sinistro.
Em
Novembro, Trump designou Agit Pai, antigo advogado da Verizon, como presidente
da FCC. Durante toda a sua carreira esta personagem foi um acérrimo inimigo do
princípio da neutralidade na rede. Hoje parece que o seu objectivo está ao seu
alcance. Mas a luta não terminou. Milhões de pessoas e milhares de organizações
estão a protestar. Centenas de demandas judiciais já foram interpostas contra a
decisão da FCC de violar a Lei federal de comunicações (em especial, o Título
II). A batalha legal está ainda no começo. Este ano 2018 será decisivo para a
sobrevivência da internet.
1 comentário:
Há que estar atento e denunciar.Informar,informar,informar!Abraço
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