QUASE PARÁBOLA

a propósito da pandemia

 (Para cada um de nós, países ou continentes)

(El Greco, Jesus correndo com os vendilhões)

Um colega de trabalho, com o qual lidava diariamente, tomava todas as precauções profiláticas a que neste momento e derivado ao coronavírus todos nos obrigamos. Só pegava nas maçanetas das portas com proteção, no seu entender adequada, trazia sempre consigo um pedaço de algodão embebido em álcool com o qual esfregava os braços e até o rosto ao ponto de deixar a farmácia dos primeiros socorros da empresa desprotegida desses produtos.

Comportamento que, por sair da normalidade, me deixava intrigado.

Em conversa com outro colega, mais informado e perspicaz, coloquei-lhe a minha perplexidade perante comportamento tão incomum. Após alguns rodeios, acabou por me dizer que se tratava de um “complexo de culpa” e, ao reparar no meu espanto, continuou - este tipo vendia os medicamentos prescritos para a mulher que estava muito doente!

Fiquei estarrecido! já nem ouvi outras considerações e retive até hoje: “complexo de culpa.”

Alguns anos mais tarde, vi-o amparado ao braço da segunda mulher. Estava cego. Sorrateiramente, e sem que disso se apercebesse, os diabetes tinham cumprindo, por outra via, o que, aterrorizado temia.