sábado, 14 de novembro de 2020

NÃO AO ÓDIO - Fernando Buen Abad Domínguez


NÃO AO ÓDIO

Semiótica de certas Paixões Baixas.

Campanha Mundial para Erradicar a Cultura do Ódio nos “Meios de Comunicação”

Entre as muitas emoções retrógradas, com que convivemos obrigatoriamente, o ódio destaca-se pela sua irracionalidade e estultícia. Para a espécie humana, é uma emboscada inútil, é sempre contraproducente e degradante. Quem odeia desce drasticamente os níveis de humanização, aceita uma condição de vida social mutilada e pactua, de modo tácito e explícito, uma escravidão perversa e intensa da qual muitas vezes não encontra saída, mas há, no entanto, quem muito a aprecie.

Odiar é, principalmente, uma ferida moral que nos confere a luta de classes quando nos desorientamos e perdemos de vista o lado a que pertencemos, objetiva e subjetivamente. No ódio, expressa-se a pulsão de impotência que leva a destruir tudo para simplificar as lutas, negando-as da pior forma. Quem odeia troca a forma de lutar por esforços com soluções mágicas. É sempre mais fácil embriagar-se no ódio - e agir atordoado – ainda que resulte mais arriscado e penoso.

Sob a pressão da luta de classes, surgem muitas distorções, se não há método científico e consensual. Uma fragilidade teórica e prática leva facilmente ao ódio porque se renuncia à razão argumental e organizativa em troca de catarses negacionistas levadas ao extremo pela violência estúpida, silogismos “viscerais” e colapsos éticos banhados em sangue. Pura inutilidade para a espécie humana. Alguns “progressismos” reivindicam um ódio que supõem ter força aglutinadora e mobilizadora. Vivem de um erro teórico e prático que não só não permite avançar, como é suspeito porque desloca do seu eixo a formação humanista que permite organizar forças para superar os ódios com as armas da crítica.

Há tantos tipos de ódio como distorções no método transformador. Tal variedade nasce e reproduz-se nos vazios deixados pela ignorância e pela falta de rigor para a práxis, em todos os níveis e em todas as frentes da luta, seja de um lado ou doutro. Ninguém está a salvo. Aquele que se sente dono de objetos, pessoas ou conceitos (como despojos de sua “propriedade privada”) comete um erro (às vezes voluntário) que o levará a odiar tarde ou cedo. É próprio do ódio sentir que se foi despojado de algo. E há tantas misturas de despojo combinadas com aprehensión propietaria, que se tem multiplicado e aprofundado a complexidade do repertório dos ódios. No ódio da classe opressora, conjugam-se – e inserem-se - todas as patologias do capitalismo. É um dos seus espelhos mais nítidos. É o ódio “refinado”, que se tem sofisticado, instrumentalizado e maquilhado, até parecer “amor ao próximo” ou filantropia para anestesiar insurreições populares, enquanto os odiadores se fazem passar por “bons”.

Por isso, odeiam mais quem os mais rouba. Odeiam porque acham que perdem ou por simples suspeita de serem expropriados. Odeiam os seus expropriadores, mas odeiam mais a ideia e a prática que convertem o expropriado em possessão coletiva. Existem odiadores experientes que têm cultivado grandes extensões de ódio e dele cuidam com muito esmero como se se tratasse de “novas propriedades”. Têm feito escolas de ódio muito refinadas. Contam com estruturas político-jurídicas a granel. Têm religiões, universidades e entretenimentos onde se aperfeiçoa o ódio de classe, que se difunde como “senso comum” (e como identidade) e se lhe reconhece valor de uso e valor de troca no mercado de controlo social do monopólio do poder político e do poder militar. Ódio miserável, mas, isso sim, muito rentável. Na história das burguesias, o “ódio” guarda memória de épocas muito convenientes para a apropriação do produto do trabalho alheio. Com o beneplácito de alguns “especialistas” e de seus chefes, convertem o ódio numa corrente desenfreada carregada com “novas classificações”, onde reina – sem rodeios - a ideia de que odiar é condição dos seres humanos capaz, até, de se odiarem a si mesmos com ódio funcional e contra a sua própria classe... e por conta própria. Determinismo do ódio que não tem horários. Não permitas que os noticiários burgueses te façam odiar o teu próprio povo. Não engulas o ódio oligarca como se fosse teu.

Odiar implica fazer desaparecer o oponente, exterminá-lo, mesmo com violência ignota. Com o ódio, cancela-se o debate, os diferendos, o 'ágon' grego. Suprime-se o trabalho de argumentar racionalmente para convencer com evidências. Suprime-se a contrastação de critérios ou experiências e impõe-se o individualismo aberrante de “a razão sou eu” ainda que, para isso, seja necessário usar paus e chumbo, prisão e perseguição. O ódio anula a igualdade, a liberdade, a tolerância, o respeito pela dignidade e a autonomia do outro. Uma sociedade igualitária e digna é impensável enquanto houver pessoas produzindo ódio e vendendo-o como um dos maiores negócios da História. Propagar o ódio deveria ser considerado Delito de Lesa Humanidade.

Há vítimas do ódio que não retribuem o ódio. Vítimas que têm sabido dignificar a sua dor sem permitir que ela se degrade em ódio. Espíritos e lutas exemplares que, pelo contrário, se elevaram à práxis das batalhas vindicativas, apaixonadamente e a salvo dos ódios. É imprescindível entender a natureza do ódio, suas raízes, causas e efeitos... combate-lo nas suas mais diversas facetas e impactos nas visões e comportamentos deformados pelas ideologias do ódio e com ódio (racistas, sexistas, fundamentalistas que o promovem). É  tarefa central derrotá-lo... e com tudo o que tenhamos à mão, incluindo a literatura, as artes, o cinema e os “media”. Há que apelar a todas as frentes dignas e em pé de luta, que travem a propagação do discurso de ódio contra os migrantes e contra todos os grupos ditos “minoritários”. Banir o ódio aos líderes sociais, aos movimentos emancipadores, aos líderes de nações progressistas ou revolucionárias. Combater o ódio desencadeado e cultivado nas “redes sociais”. Acabar com o ódio generalizado que ameaça a vontade democrática dos povos.

Banir o ódio criado para sufocar a discordância legítima, a livre expressão popular, o direito a viver sem violência… e, além disso, exigir que cessem os caminhos por onde transita todo o ódio de classe e a violência burguesa disfarçada, também, de “liberdade de expressão”.


Instituto de Cultura y Comunicación / Centro Sean MacBride. UNLA.

Fernando Buen Abad Domínguez

1 comentário:

Olinda disse...

Muito bom,como todas as crónicas de Buen Abad.Abraço