Meu Camarada e Amigo
Revejo tudo e redigo
meu camarada e amigo.
Meu irmão suando pão
sem casa mas com razão.
Revejo e redigo
meu camarada e amigo
As canções que trago
prenhas
de ternura pelos outros
saem das minhas entranhas
como um rebanho
de potros.
Tudo vai roendo a erva
daninha que me
entrelaça:
canção não pode ser
serva
homem não pode ser
caça
e a poesia tem de ser
como um cavalo
que passa.
É por dentro desta selva
desta raiva deste
grito
desta toada que vem
dos pulmões do infinito
que em todos
vejo ninguém
revejo tudo e
redigo:
Meu camarada e amigo.
Sei bem as mós
que moendo
pouco a pouco trituraram
os ossos que estão doendo
àqueles que não
falaram.
Calculo até os moinhos
puxados a ódio e sal
que a par dos monstros marinhos
vão movendo Portugal
— mas um poeta só fala
por sofrimento total!
Por isso calo e sobejo
eu que só
tenho o que fiz
dando tudo mas à toa:
Amigos no Alentejo
alguns que estão em Paris
muitos que são
de Lisboa.
Aonde me não
revejo
é que eu sofro o meu país.
José Carlos Ary dos Santos
in 'Resumo'
1937 - 1984
1 comentário:
Ary é um poeta que dá uma sonoridade às palavras que faz dele um poeta-trovador e não vejo isso só nos poemas feitos para serem cantados.O facto de ser do PCP e assumi-lo,é quase silenciado por uma "intelectualidade" burguesa.Abraço
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