Eles gostam tanto do pooovo!... sentem-se tão chegadinhos ao pooovo!... preocupam-se tanto com o bom pooovo!... São uma ternura, principalmente antes das eleições. Mesmo entre eles, nestas ocasiões, deixam de o apelidar de ralé, populacho, gentalha e outros acepipes, embora continuem a sentir vertigens só de pensar no… “Povo Unido”.
Normalmente quando se referem ao povo engasgam-se, espirram… não conseguem evitar a alergia nervosa que tais vocábulos lhes causam. Há, no entanto, que fazer um esforço, sorrir-lhes, apertar-lhes a mão, dar-lhes beijinhos e palmadinhas nas costas e, sempre com a máscara que sorri, deixar no ar uma qualquer benesse para depois do escrutínio. Pode valer o sacrifício!
São os amantes de vão de escada que se servem do povo, prometendo-lhe mesada e casa posta, mas uma vez servidos voltam para o doce lar. E quando, por acaso, se cruzam numa qualquer esquina da vida com o povo que juraram amar, viram-lhe a cara fingindo não o conhecer.
E porque têm um ar lavado assessorados que são por especialistas de imagem, terapeutas da fala, escribas de qualidade para lhes redigir os discursos, o produto aparenta boa qualidade exterior. Dão espectáculos em espaços amplos enquadrados pela bandeira nacional, a das estrelinhas amarelas, colocando em evidência a bandeirinha da agremiação a que pertencem. E os basbaques caem na esparrela.
Se o potencial cliente são os trabalhadores, para publicitarem a mercadoria que pretendem vender apresentam-se em mangas de camisa, como quem vai à feira.
Tomarão outra postura nas reuniões com os banqueiros de quem dependem e servem; impõe-se encadernação adequada ao cenário, fato à medida nos melhores alfaiates.
Postura de estado se a ocasião assim o exige, porte austero, bem aprumados e circunspectos, fazem-nos rir.
E o povoléu que até gosta de assistir a estas metamorfoses lá lhes vai ouvindo as parlapatices envoltas em música celestial onde, à porfia, cada um promete mais que o outro; e fazem-no com uma candura e encenação tão perfeitas que, mesmo apercebendo-se que é conversa para boi dormir, o povo lá tem ido pôr a cruzinha, jurando sempre ser a última vez.
É evidente que, nestas ocasiões, se faz crer que são profundas as preocupações com os mais carenciados, o termo é ambíguo: carenciado tanto pode ser alguém necessitado de pão como de afecto.
Mas o melhor é levar-lhes pão:
- “Ó Gertrudes! não te esqueças de entregar pessoalmente o cabaz com artigos de mercearia à mulher do Manel.”
- “Aprende a falar em período eleitoral: à esposa do senhor Manuel, está bem!”
- “Sim, aquele que foi despedido a semana passada; leva essa comidinha e que não se esqueçam de ir botar o papelinho com a cruzinha no lugar do costume.”
E eles lá têm ido carregando a cruz do costume e sofrendo a vidinha de sempre.
É a vida!
3 comentários:
Excelente texto. Com tudo. Contudo, o povo não é o que parece! Há que entrar com o factor trmpo. Com outros calendários, em que os dias são anos, os anos décads, as décads séculos, os séculos milénios. Em que milénio estamos?
Um grande abraço
e até sábado... sempre nesse outro calendário.
Ora destas crónicas queirosianas é que a gente precisa!
Ora destas crónicas à Eça é que a gente precisa (nós e o resto do povão)!
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