Um grupo de militares de Abril, ao qual já se
associaram vários cidadãos, tomaram a iniciativa de comemorar, este ano, a noite
de 24 de Abril e o 25 de Abril, de forma diferente.
Vamos estar na noite de 24 de Abril em frente ao
antigo Quartel General do Governo Militar de Lisboa, no Largo de S. Sebastião,
pelas 22:00 horas e no dia 25 de Abril, ao alvorecer, pelas 7 da
manhã, no Terreiro do Paço para sentirmos de algum modo as sensações, a crueza e
a alegria daqueles dias, ao evocarmos dados factos históricos e ao pensarmos
Portugal hoje e o seu Futuro.
"VIVER ABRIL" INTENSAMENTE,
CONTINUANDO A LUTA DOS QUE SEMPRE POR ELE LUTARAM.
UM DOCUMENTO HISTÓRICO
DOCUMENTO 3
O “Movimento” as F.A. e
a Nação
Desde há meses a esta parte, como é do conhecimento geral, tem vindo
a desenvolver-se no seio das F.A. um “Movimento de Oficiais”, cujas origens foram há muito
ultrapassadas e assume hoje características, intenções e finalidades que se entendeu
oportuno clarificar e definir. O documento agora apresentado
à atenção de todos os militares tem como objectivo essencial levá-los a
reflectir criticamente sobre os
objectivos fundamentais dos problemas que as F.A.
enfrentam – sendo para tanto indispensável uma reflexão global, isto é, não dissociando
as F.A. da Nação e do momento crítico que o País atravessa –
é, em seguida, consolidar a adesão dos que conscientemente chegaram à conclusão que uma prática coerente com a nossa análise se torna imperiosa, necessária e urgente.
Todos sabemos e
sentimos como no consenso
generalizado as F.A. têm sido consideradas o suporte de força de uma estrutura global complexa,
político-económica para cuja orientação – com passagem pela necessária definição do interesse nacional – o comum dos cidadãos não é chamado a
uma participação directa. De facto, tem-se a consciência de que tal estrutura não se poderia manter inalterável através dos anos, por maior cuidado que tivesse
havido na preparação das organizações policial e judicial, se os seus dirigentes não tivessem a garantia da obediência sem discussão, por parte das F.A. nos objectivos por eles definidos. Daí o
ter-se generalizado o princípio de que compete exclusivamente ao poder político a definição dos grandes objectivos nacionais e às F.A. a
missão de os executar sem pôr em causa a sua legitimidade. É o mito da
“apoliticidade das F.A.” que transformou
os militares, que poderiam ser os guardiões de uma Constituição legítima, em meros executores de uma política traçada do alto, a qual tem sido
protegida não só com alterações
“oportunas” da Constituição, mas também por leis que
efectivamente restringem.
Se, antes de 1961, as
F.A. não eram abertamente atingidas
no seu prestígio, ou não o eram de forma muito violenta, é porque as crises internas do
regime não tinham
atingido ainda um grau demasiado agudo. A partir, porém, da queda da Índia, e sobretudo à medida que as guerras em África se
iam prolongando, as F.A. descobriam, não sem espanto por parte de muitos militares que pela primeira vez viam claro, o seu divórcio real da Nação. As F.A. são então humilhadas,
desprestigiadas, apresentadas ao País como responsáveis máximas do desastre.
Estava inventado o “bode expiatório” e criadas
as condições para que a Nação deixasse de
confiar nas suas FA. E daí em diante, o desprestígio das Instituições Militares não deixa de aumentar. A guerra de Angola, que entretanto tinha começado, não põe inicialmente aos militares muitos problemas acerca da sua legitimidade. À medida, porém, que o tempo vai
passando e a situação se vai
degradando em todos os seus aspectos (inclusive no militar, como
consequência inevitável da inexistência de uma estratégia adequada à situação africana), à medida que outras frentes de luta armada surgem
(Guiné e Moçambique), e o esforço exigido aos
militares começa a ser humanamente incomportável, à medida que se torna cada vez mais patente a
impossibilidade, por parte das F.A.,
de atingir os objectivos que lhe são impostos por um Poder que não aceita sequer a evidência por não possuir os meios da sua política, aparece cada vez mais claramente em destaque o desenvolvimento de um processo que tinha tido o seu primeiro episódio visível com a queda da Índia; incapaz de se
auto-reformar sob pena de morrer
(politicamente, entenda-se), o regime aponta intransigentemente para a via unitária como solução do problema
ultramarino; como se torna dia a dia mais evidente a
inexequibilidade de tal via, as F.A.
aparecem cada vez mais aos olhos da Nação como a grande responsável, não só do impasse africano, como da crise geral que atinge o País, e que não é só crise política, como também económica, social e moral.
Alarga-se assim o fosso entre as F.A. e a
Nação, aumenta o desprestígio dos militares (os recentes acontecimentos da Beira, em Moçambique,
vêm uma vez mais confirmar esta realidade por todos sentida), desprestígio esse que nenhumas medidas conjunturais poderão atenuar.
Não é com aumentos de vencimentos (e este documento demonstra que, apesar de tudo, a consciência dos militares não está à venda), nem com regalias sociais e privilégios de vária ordem, nem sequer com o previsto e anunciado
reequipamento da FA para a condução da guerra em moldes
tecnicamente eficazes (o que, além do mais, é extremamente duvidoso que seja
alcançado em tempo útil), não é com medidas apressadas,
destinadas a abafar as vozes discordantes e a atenuar o crescente descontentamento dentro das FA, que o poder político conseguirá colmatar a brecha que se abriu funda e dolorosa, na consciência da maioria dos militares. Não serão nunca essas medidas que restituirão
o prestígio já demasiado abalado das
FA, porque o problema não se localiza
ao nível da situação de um grupo
sócio-profissional: o prestígio das instituições militares só será
alcançado quando as FA se identificarem com a Nação, quando entre FA e o povo houver realmente unidade fundamental quanto aos
objectivos a alcançar.
O problema maior do povo português e que em larga medida condiciona todos os outros é, neste momento, o da guerra em três territórios africanos: Angola, Moçambique
e Guiné. A questão é gravíssima e está na base de uma crise geral do regime, já incontrolável pelo poder. Se está
generalizada, tanto no seio das FA como na sociedade civil a ideia de que não é possível obter-se
uma vitória pelas armas, tudo é feito para que na opinião pública nacional se enraíze
a noção de que o poder político traçou já a estratégia adequada e que as FA não terão mais que segui-las para que a integridade dos territórios seja
garantida. Consequentemente, se a situação se agrava ainda mais, facilmente
se adivinha sobre em quem recairão as
responsabilidades, ao mesmo tempo que o poder terá criado as condições propícias a
um inocente lavar de mãos.
Os militares conscientes sabem, porém, que a solução do problema ultramarino
é político e não militar e entendem ser seu dever denunciar os erros de que são vítimas e
transformarão as FA, uma vez mais, em bode expiatório de uma estratégia impossível: uma solução política que salvaguarde
a honra e dignidade nacionais, bem como todos os interesses legítimos de
portugueses instalados em África, mas que tenha em conta a realidade incontroversa e irreversível da funda aspiração dos povos africanos a governarem-se
por si próprios – que implica
necessariamente fórmulas políticas, jurídicas
e diplomáticas extremamente flexíveis e dinâmicas. – Esta solução tem de ser encarada com realismo e coragem, pois pensamos que ela corresponde
não só aos
verdadeiros interesses do povo português como ao seu autêntico destino histórico e aos seus mais altos ideais da justiça e de paz. Sabem, no entanto, os mesmos militares conscientes, que tal solução jamais será
consentida pelo poder, que a si próprio se arroga o
direito de exclusivo em matéria de patriotismo, e se
pretende apoiado pela Nação.
Contestamos, pois, o exclusivo e o apoio proclamados.
E porque assim pensamos,
entendemos necessário, como condição primeira de solução do problema africano, da crise das Forças Armadas e da crise geral do País, que o poder político detenha o máximo da legitimidade, que as suas instituições sejam
efectivamente representativas das aspirações e interesses do Povo. Por outras palavras: sem
democratização do País não é possível pensar em qualquer solução válida pata os
gravíssimos problemas que se abatem sobre nós.
Trata-se, portanto, antes de mais nada e acima de tudo, da obtenção a curto prazo de uma solução para o problema das instituições no quadro de uma democracia política.
Neste contexto, consideramos
indispensável e urgente que:
-
SEJAM DEFINIDOS E
CLARIFICADOS OS OBJECTIVOS NACIONAIS E ESTES ACEITES PELA NAÇÃO;
-
SEJA A NAÇÃO CLARAMENTE ELUCIDADA SOBRE A PARCELA DESSES
OBJECTIVOS CUJA PROSSECUÇÃO CABE ÀS F.A.;
-
SEJA PROMOVIDA E GARANTIDA A PERMANÊNCIA DA
COMPATIBILIDADE DESSA PARCELA COM A CAPACIDADE EM MEIOS;
- SEJA PROMOVIDA A REESTRUTURAÇÃO DAS F.A.
VISANDO A QUALIFICAÇÃO DOS SEUS CHEFES BASEADA NO SEU VALOR MILITAR, O APROVEITAMENTO DOS MEIOS EM TERMOS DE EFICIÊNCIA E EFICÁCIA, O RESPEITO PELOS DIREITOS INDIVIDUAIS, E A JUSTIÇA.
- POSSAM AS F.A. SENTIR QUE É
EFECTIVAMENTE PROPORCIONADA A SALVAGUARDA LEGÍTIMA DO SEU PRESTÍGIO, INCLUINDO
A SUA NÃO IDENTIFICAÇÃO COM OUTRAS
ACTIVIDADES QUE NÃO PERTENCEM AO
SEU MÚNUS ESPECÍFICO.
Só nestas condições poderão as
F.A. ter um mínimo de garantia de que são instrumento da vontade da Nação e que não se
encontram ao serviço de qualquer grupo. Então, já não lhes será permitido duvidar, nem da legitimidade do poder, nem dos
objectivos por este definidos, que tudo farão para cumprir.
Só nestas condições poderão as
F.A. alcançar o prestígio que
reivindicam, pois só então haverá garantias da necessária unidade entre o povo e as instituições militares: na verdade, o Exército só será o “povo em armas” quando entre Exército e Povo não existirem
quaisquer barreiras, quando o Exército for realmente a
incarnação da uma vontade colectiva de defesa e de uma
afirmação insofismável, feita pelo próprio Povo, da segurança e independência nacional.
DOCUMENTO 4
CAMARADAS
Acusados de pertencerem ao Movimento de Oficiais – Movimento que nada mais pretendia
do que levar as F.A. a readquirir o prestígio que perderam –
foram presos alguns dos nossos camaradas, que neste momento se
encontram ainda detidos na
Trafaria.
Não permitiremos, evidentemente, que tal situação se
mantenha, e para tal, temos um sólido espírito de corpo que, pacientemente, ainda aguarda que o Governo
reconsidere, apesar das possibilidades que já lhe foram dadas
de o fazer.
Importa, pois, evitar que o Governo tente lançar a discórdia entre os três Ramos das F.A.,
e, para tal, esperamos continuar a receber provas da vossa inequívoca SOLIDARIEDADE.
Ao APOIO que tem sido dado pelas unidades do Exército, há a juntar o que já algumas das
maiores unidades da armada deram, além do esmagador apoio da Força Aérea, pelo que aguardamos
o apoio de todas as unidades que ainda não se
manifestaram.
Evidentemente que esperamos que o assunto seja resolvido
pelo Governo em termos que não só aclarem
esta situação no imediato, como também em termos que sirvam os
verdadeiros propósitos do Movimento.
11.3.74
2 comentários:
Importante documento histórico, que tem hoje muita actualidade, sobre as FA e o Povo, assim essa consciência se intensifique e juntos agir-mos.
Tão próximos da libertação apesar da derrota sofrida em 16 de Março!!!!
E hoje,como então, também se impõe a ALIANÇA POVO-MFA, pois as FA são parte e defensoras do POVO, e é urgente que um novo Movimento chame a si essa missão.
Um beijo.
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