“Conscientes de que uma nova ronda de «austeridade» para os trabalhadores e
povos e «maná do céu» para os multimilionários não é compatível com a
democracia, as liberdades e a paz, sectores importantes da classe dominante
preparam a via da repressão, do autoritarismo e da guerra. Para os
trabalhadores e povos não há outra opção, senão preparar-se para o embate.
O ano começou com uma nova crise bolsista mundial. Apesar das flutuações, é claro que estamos perante uma nova convulsão do sistema financeiro internacional. Há um facto incontornável: as políticas de miséria para os povos, mas de subsídios para o grande capital financeiro (como os chamados programas de Quantitative Easing – QE que o banco central dos EUA procura agora reduzir), promovidas após 2008, não resolveram os problemas de fundo do sistema capitalista mundial: agravaram as dívidas e as bolhas especulativas, sem redinamizar a economia produtiva. Mas o capitalismo mundial já não funciona sem essas injecções de dinheiro fácil na veia.
William White, ex-economista-chefe
do BIS (o «banco dos banqueiros») e actual figura de destaque na OCDE é claro:
«A situação hoje é pior do que era em 2007. Já foram usadas praticamente todas
as nossas munições macro-económicas. […] As dívidas continuaram a avolumar-se
durante os últimos oito anos e alcançaram níveis tais em todo o mundo que se
tornaram uma fonte séria de problemas. Tornar-se-á óbvio na próxima recessão
que muitas destas dívidas não serão [pagas] e isto será pouco confortável para
muita gente que pensa que tem bens com valor» (Telegraph online, 19.1.16).
O jornalista que obteve estas declarações
na véspera da abertura do recente Fórum Económico Mundial de Davos acrescenta
que o «QE e as políticas de dinheiro fácil da Reserva Federal dos EUA e seus
congéneres» são uma espécie de «tóxico-dependência», em que se gasta hoje
aquilo que não se possui, mas que «acaba por perder efeito» e o dia chega em
que «não há dinheiro para gastar amanhã».
«Dinheiro fácil» só existiu para os
grandes banqueiros e capitalistas. Na semana passada (18.1.16), a organização
de caridade inglesa Oxfam publicou um relatório com o título «Uma economia para
os 1%». Cita o gigante financeiro Credit Suisse para afirmar que os 1% mais
ricos detêm hoje mais riqueza do que os restantes 99% da população mundial. A
Oxfam acrescenta outros números impressionantes: em 2015, 62 indivíduos possuem
a mesma riqueza que 3,6 mil milhões de pessoas (metade da população do
planeta). Desde 2010, a riqueza destes 62 multi-milionários aumentou 44%,
enquanto que para a metade mais pobre da Humanidade se verificou uma quebra de
41%.
A crise não foi, seguramente, para
todos. Não só não houve “sacrifícios repartidos”, como a crise do capitalismo
foi usada para promover uma autêntica pilhagem de classe que engordou muito o
grande capital à custa dos povos. Os orçamentos do Estado são usados para
salvar os banqueiros (o Banif é o mais recente exemplo no nosso País), mas os
banqueiros nem sequer pagam impostos para financiar os orçamentos do Estado. O
Jornal de Negócios online publicou (12.12.16) uma notícia sobre o nosso País
com o título «As 1000 famílias que mandam nisto tudo (e não pagam impostos)».
Não é um problema só nosso. A Reuters noticiou (22.12.15) que «Sete dos maiores
bancos de investimento que operam em Londres pagaram poucos ou nenhuns impostos
na Grã-Bretanha no ano passado». Os sete referidos gigantes financeiros tiveram
em 2014 lucros de 5,3 mil milhões de dólares naquele país, mas pagaram de
imposto apenas 31 milhões, ou seja, menos de 0,006% dos seus lucros. Cinco dos
sete nem pagaram um penny.
Quem esteja à espera que o problema
se resolva com «mais regulação» ou «mais Europa» bem pode esperar sentado:
entre os sete mega-caloteiros encontra-se a Goldman Sachs, de onde saiu o
presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi.
A nova explosão de crise em 2016 vai
agravar todas as já agudíssimas contradições no seio do capitalismo mundial.
Conscientes de que uma nova ronda de «austeridade» para os trabalhadores e
povos e «maná do céu» para os multimilionários não é compatível com a
democracia, as liberdades e a paz, sectores importantes da classe dominante
preparam a via da repressão, do autoritarismo e da guerra. Para os
trabalhadores e povos não há outra opção, senão preparar-se para o embate.
Jorge Cadima*
* Jorge Cadima é Prof. da Universidade de Lisboa e analista político.
Este texto
foi publicado no Avante nº 2.200 de 28 de janeiro de 2016.