J.-M. Nobre-Correia 21/01/2016 – Público (aqui)
A campanha para
as eleições presidenciais mostra bem a urgência que há em
repensar o modo como media e
jornalistas concebem a informação. E como ao longo dos anos impuseram o
candidato “Marcelo”…
Seja qual for o desfecho que a
campanha para as eleições presidenciais venha a ter, media e jornalistas deveriam tomá-la como tema de reflexão, Urgentemente.
E não só sobre a maneira como cobriram a dita campanha. Sobre as prioridades
que deram a tal ou tal outro personagem ou tema. Sobre as formas de tratamento
que adotaram para abordá-los. Até porque, no fim de contas, estas e outras
interrogações se põem de maneira geral e constante no que diz respeito à maneira
como a informação é concebida neste país.
Mas a principal interrogação que as
eleições presidenciais propõem é a que diz respeito a Marcelo Rebelo de Sousa.
Um personagem nascido e criado na fina-flor do salazarismo, denunciador de
comunistas ou simples opositores ao regime, que depois do 25 de Abril se pôs a
utilizar os media para intrigar e
manobrar. Nas célebres páginas 2 e 3 do Expresso, primeiro. Depois no Semanário
e bastante mais tarde na dupla penúltima página do Sol. Paralelamente na
TSF e em seguida na TVI, na RTP e de novo na TVI.
A dupla página no Expresso
como no Sol e a emissão dominical na TVI (para falar apenas
naquelas a que pudemos ter pessoalmente acesso) constituíam em termos
jornalísticos perfeitas aberrações. Em termos de tamanho (gigantesco), de
escrita (singularmente descosida) e de temática (exageradamente saltitante),
nenhum media europeu norteado por
princípios profissionais teria aceitado assumi-los. Até porque não tinham
parentesco algum com o que pretendiam ser: análise política. Mas também porque
nenhum meio de comunicação jornalisticamente decente admitiria que um antigo
dirigente político, indesmentível e permanente militante partidário, pudesse
ter a pretensão de fazer análise política, género jornalístico que tem por
autoria politólogos ou jornalistas seniores altamente especializados.
Não impede que, durante os quatro
decénios de democracia, Rebelo de Sousa se tenha feito pagar principescamente
para marcar presença. Para se fazer ler. Para se fazer ouvir. Para se fazer
ver. Para fazer o seu “show”. Para, na altura que viesse a achar mais
apropriada, viesse a candidatar-se à Presidência da República. Sem necessidade
de fazer uma campanha de imagem dispendiosa, porque a imagem já tinha sido
feita e até lhe tinha sido sumptuosamente paga.
Rebelo de Sousa conseguiu assim uma
proeza bem superior à de Silvio Berlusconi. Porque Berlusconi teve que esforçadamente
construir pouco a pouco um império mediático, antes de pretender ser chefe de
partido político e primeiro-ministro em Itália. Rebelo de Sousa não construiu
nada (à parte a sua imagem), pouco assumiu em termos de responsabilidades
políticas, pouco produziu em qualquer domínio de importância e agora nem sequer
é candidato a responsabilidades difíceis, problemáticas e com duração incerta,
mas apenas a uma função sobretudo de puro decoro. E foi pago para isso, dizendo
tudo e o contrário de tudo em matérias em que muitas vezes nada conhecia, sem
contraditor, em total impunidade política e jornalística.
Esta impunidade foi fruto de um
relacionamento cuidado com o meio jornalístico, sendo Rebelo de Sousa uma fonte
privilegiada “off the record” do que
se passava em meios de poder que frequentava e em que por vezes assumia
funções. Propondo exclusividades em troca de uma imagem positiva dele nos media assim favorecidos. Inventando
exclusividades quando se encontrava a seco (Paulo Portas que o diga). Traindo
uns e outros (Francisco Pinto Balsemão foi uma das vítimas [1]), segundo as
suas necessidades táticas e cataventistas do momento. Mimando os jornalistas de
modo a que toda e qualquer declaração sua fosse imediatamente repercutida no media audiovisuais no próprio dia e na
imprensa escrita logo no dia seguinte, de preferência com títulos de primeira
página: nenhum verdadeiro analista político usufrui algum vez de tais benesses
por parte dos media no resto da
Europa!
Como diriam os francófonos: durante
mais de quarenta anos, jornalistas e media
portugueses serviram a sopa a Rebelo de Sousa. Há pois, ao bom povo português,
formado quotidianamente na cultura do futebol e da partidarice, que aceitá-lo,
caso venha a ser eleito. É verdade que o vivaço reguila e brincalhão “da Linha”
(companheiro de férias de Ricardo Salgado, no iate deste no Mediterrâneo ou na
propriedade do mesmo no Brasil, mas presidente também da monárquica Fundação da
Casa de Bragança!) será muito provavelmente menos cinzentão e mais hábil do que
o atual residente em Belém. Mas a sua eventual eleição deixará um trágico rasto
do funcionamento do jornalismo e dos media.
E, por conseguinte, uma desoladora imagem da pobre democracia portuguesa…
[1] Caso Marcelo Rebelo de Sousa venha a ser eleito presidente da República, será interessante ver se Francisco Pinto Balsemão se manterá no Conselho de Estado como conselheiro do seu antigo empregado (no Expresso), de quem não se priva de dizer que “não é pessoa de confiança”. Tanto mais que Pinto Balsemão sonhou ele mesmo a certa altura poder vir a ser candidato à Presidência da República, fazendo uma declaração neste sentido numa entrevista publicada pelo desaparecido diário A Capital, de que era então proprietário.
Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de Bruxelles
Sem comentários:
Enviar um comentário