A Globo tratou as duas manifestações
de forma diferente.
Por Jean Wyllys
A cobertura jornalística das
manifestações do último domingo e da sexta-feira em boa parte dos veículos de
comunicação, especialmente a rede Globo e a Globo News, confundiu gravemente o
jornalismo com a propaganda. Vejamos alguns exemplos disso.
Nas manifestações do domingo (a
favor do impeachment), houve transmissão ao vivo por esses canais de TV durante
o dia inteiro, quase sem interrupções. Nas manifestações da sexta-feira (contra
o impeachment), o foco estava nos estúdios e nas falas de âncoras e repórteres,
com flashes e breves transmissões desde os locais das manifestações disputando
o tempo com outras notícias.
O enquadramento das imagens, no
domingo, era o mais favorável e permitia ver que tinha muita gente, enquanto na
sexta-feira, a câmera estava sempre muito perto ou muito longe, produzindo o
efeito oposto. Em algumas cidades, inclusive, as imagens mostraram o momento em
que as pessoas “estão começando a chegar” e, tempo depois, o momento em que “a
manifestação já acabou”, omitindo o momento mais importante: quando a
manifestação estava acontecendo. No domingo, esse foi o momento privilegiado.
Nas manifestações do domingo (“atos
espontâneos da cidadania”), os manifestantes eram protagonistas, ou seja,
tinham direito a falar, a dizer por que estavam ali. Nas manifestações da
sexta-feira (“manifestações governistas”), essa narrativa era assumida pelo
cronista. E alguns fatos relevantes que faziam parte da notícia não foram
ditos: diferentemente do domingo, na sexta-feira não houve catracas liberadas
no metrô de São Paulo; pelo contrário, a “falta de troco” demorava as pessoas
que queriam viajar.
Contudo, o momento mais vergonhoso
foi quando começou a fala do ex-presidente Lula. “Estamos com problemas no
áudio, vamos pedir ao nosso repórter que conte o que está acontecendo”. Como
assim? Você pode amar ou detestar o Lula, pode acreditar ou não no que ele diz,
ou pode (como eu espero que você faça!) fazer uma leitura crítica, mas para
isso você, cidadão, cidadã, tem direito a ouvi-lo! Como é possível que a fala
dele não tenha sido transmitida ao vivo? Qual é o critério de “notícia”? (Vale
aqui fazer uma ressalva: a Band News transmitiu o discurso; pelo menos a
audiência desse canal teve seu direito a se informar respeitado).
Passamos dois dias inteiros
assistindo sem parar pela televisão, em repetição continuada como no velho
cinema, às conversas privadas do ex-presidente (uma espécie de Big Brother
involuntário do qual ele não sabia que estava participando) e agora não temos
direito, como audiência, público e cidadania, a ouvir o que ele diz num comício
com cerca de cem mil pessoas na avenida Paulista? Não é notícia?
Qual é o medo?
Deixem as pessoas assistirem tudo e
tirarem suas conclusões sozinhas! Até porque, diferentemente do que a narrativa
da oposição de direita, dos principais veículos de comunicação e também do
governismo pretende instalar, não há apenas dois lados nessa história. A
realidade é muito mais complexa e não podemos reduzir a atual conjuntura a uma
opção entre adesão ao governo e adesão à direita tradicional. Tem muita gente
que, como eu, milita na oposição de esquerda ao governo Dilma mas é contra o
impeachment porque, até o momento, não há provas concretas que justifiquem esse
processo que está sendo conduzido de forma ilegítima por um presidente da
Câmara investigado pelo STF por corrupção e lavagem de dinheiro, e porque é a
favor da democracia!
Muitas dessas pessoas foram ontem às
ruas e tanto a mídia quanto muitos governistas erram se acreditam que todos os
manifestantes eram simpatizantes do governo e do PT. Essas vozes não são
ouvidas nos telejornais, mas existem.
Eu não vejo problema no fato de que
cada veículo de comunicação tenha uma posição política. Na maioria dos países,
tem jornais de esquerda e de direita (no Brasil, infelizmente, não há esse
pluralismo), mas o que não pode é a narrativa enviesada não deixar lugar para a
notícia. O jornalismo precisa informar e, depois, se quiser, pode dar sua
opinião, deixando claro que é opinião. É a diferença entre a notícia, a coluna
e o editorial.
A minha pergunta é: cadê a notícia?
Cadê o jornalismo?
O texto acima foi publicado no
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