10 de novembro de 1913 – 13 de junho de
2005
A
maior manifestação
de reconhecimento e dor
de que se guarda
memória, não
se antevendo quem possa suscitar
igual merecimento.
Um doloroso
silêncio
Atraída
por um
sentimento difuso,
de todas as artérias convergentes à Praça do Chile, a tristeza
tornava-se multidão. Uma amálgama de classes
sociais de três
gerações unidas numa dor comum. Não dialogavam, olhavam-se surpresas
procurando a resposta, o porquê de ali
se encontrarem esperando que surgisse,
numa lágrima ou
soluço,
a resposta que
a dor retida recusava.
Um cravo vermelho floria junto
ao rosto de uma jovem
que,
abraçando-o, aguardava o momento de o devolver a quem até ali a
trouxera sem disso ter
conhecimento. A flor
pertencia a quem lhe
dera o mais perfeito
exemplo de como
se constrói a liberdade. Pálida, de semblante
carregado, de quando
em vez
erguia-se nos bicos dos pés de entre o povo que a
envolvia, não descortinando mais do que gente caminhando em
sua direção. Dentes
cerrados, olhos
marejados, um homem
vigoroso engolia um
soluço. Ninguém
se saudava, poucos se conheciam, tinham
no entanto um
compromisso comum,
uma dívida a saldar
e aguardavam o credor. Se alguém soltasse a centelha
de dor que
a custo retinha faria explodir
a mágoa que
cada vez
mais se adensava, aguardando o extravasar da angústia.
Em comunhão,
todos sentiam que
algo de diferente
acontecera, que a história
na sua pulsão inexorável
continuaria o seu curso
mas que
havia perdido um protagonista
que deixara marca
indelével no seu
percurso. Um jovem
casal de mãos
dadas retido no espaço e como que parado
no tempo, um
ancião esgueirando-se por entre a multidão caminhando num labirinto
de interrogações procurava a saída que não
esperava encontrar. Esgotava-se a tarde, um bruaà
como indicador
faz convergir todos
os olhares para
o cortejo que, ao longe, se vislumbrava em nossa direção.
Já aí
vem, murmurava-se como se anunciássemos
a chegada de um
amigo a um
encontro combinado, já
aí vem pronunciava-se num murmúrio
abafado pela
emoção. Foi o nosso
último e derradeiro
encontro. Lançámos-lhe cravos como gritos de silêncio
porque as palavras
surgiam deslocadas.
A
maior manifestação
de reconhecimento e dor
de que se guarda
memória, não
se antevendo quem possa suscitar
igual merecimento.
2 comentários:
Muitos anos passarão,até que surja outro homem com a dimensão de Álvaro Cunhal!Abraço
São raros os cravos que largam sementes mas lá que os há, há!
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