TREPADORES,
ARRIVISTAS E “CHICO-ESPERTOS”
A
CULTURA DO ESFORÇO ALHEIO
(tradução
de Armando
Pereira da Silva)
Rebelión/Instituto
de Cultura y Comuninación UNLa
É muito antigo o ofício de escalar
montanhas alheias apoiado em sucessos de outros. É velha a “arte” de
chico-espertos treinados para viajar no “sidecar”
da história. (Jorge Falcone dixit). Há milhares de metáforas exemplificadoras
dessa mania perversa que consiste em “chupar o sangue” de alguém que, por bondade
ou por idiotice, o permite. Quem o viu bem claro, ao que parece, foi Bram
Stoker com o seu Drácula já em 1897. Talvez uma espécie de crítica à cultura
dominante.
A História está cheia de episódios
terríveis produtos do cálculo frio, da conveniência do momento, do saber estar
imóvel no lugar e no momento correcto
para desfrutar as delícias do esforço que outros fazem e (não poucas vezes)
sepultá-lo no esquecimento para se vestir de glórias espúrias. Trepadores,
arrivistas e chico-espertos cultivam a arte da pilhagem. Instalam-se
assolapados em lugares estratégicos para irem recolhendo o que escorre do trabalho alheio e, a pouco e
pouco, apoderarem-se de porções cada vez maiores do “ cozinhado”. É Alfredo
Salmón que o diz: isto está no coração da psicanálise.
São expressão em miniatura do capitalismo que eles
condensam na sua conduta como chave do individualismo, o que a burguesia faz
com as massas: viver do trabalho alheio. A sua encarnação de certa moral
pútrida que só celebra quando encontra presas enormes sem ter de fazer esforços
enormes. São sevandijas que medram em todos os recantos da vida diária agarrados
à esperança de encontrarem alguém que trabalhe muito para o exprimir sem muito
esforço.
Na sua lógica, os trepadores,
arrivistas e chico-espertos mordem o próprio rabo porque o seu único destino é
serem medíocres. Não fazem esforços maiores nem para terem maiores “benefícios”
do que aqueles que a sua comodidade e miséria lhes permitem. Carraças
distribuídas por todos os âmbitos sociais (desde as ciências às artes) sem
omitir a política onde costumam florescer sempre que nascem novas lideranças
capazes de refrescar a confiança dos povos.
Manuseiam tudo o que podem, fazem
malabarismos com o alheio até imporem a ideia de que aquilo de outros é-lhes próprio
e, para isso, fertilizam o seu campo de acção com doses generosas de
ambiguidade e indefinição. Costumam dizer que “nada é de ninguém”, agrada-lhes
o relato de “as ideias são de todos” (especialmente se mais cedo ou mais tarde
podem apropriar-se delas). Têm discursos comoventes em matéria de “tornar
comuns todas as coisas” e são naturalmente campeões em retóricas que prometem
pouco esforço para grandes dividendos.
Transportam a sua moral de
sanguessuga para esses pequenos mundos gerenciais a que a burguesia chama
“política” e é sua qualidade o ir e vir de uma fonte a outra, carreando para a
sua madrigueira ideológica as prendas usurpadas que disfarçam de “progresso”.
Isso deve-se a que o conservadorismo os incomoda não pela sua base conceptual,
mas pelo esforço necessário para manter vivas as suas múmias ideológicas.
Costumam ser campeões do ecletismo.
A pós-modernidade tornou-os cínicos
e hoje julgam que são uma “tendência” exemplificadora do “ser vivo” e “sagaz”
para se viver mais facilmente num mundo cheio de complicações. Assim, há
desenhadores de moda, publicistas, filósofos, jornalistas, ideólogos e
clérigos... que proclamam aos quatro ventos as vantagens de criar o ”novo”
tomando “o melhor de cada coisa”, mesmo que se tivesse de apagar da história o
criador da coisa “tomada”. Parasitas,
tal e qual.
Mas os trepadores, arrivistas e
chico-espertos também se atacam entre si. É o cúmulo. Por exemplo, um
“repórter” (que se diz jornalista) incapaz de redigir uma nota, por mais
simples que ela seja, encontra a maneira de tornar-se visível entrevistando outro arrivista que,
por sua vez, é incapaz de desenhar uma jarra de flores mas que misturou, daqui
e dali, o que usurpou de uma tendência estética dominante. Enxame de
mediocridades que tem “grande audiência” entre os seus milhares de parceiros no
caldo de cultura neoliberal onde é melhor “investir a prazo” do que investir em produzir. Chico-espertos
financeiros. Abundam no planeta inteiro. Burla disfarçada de ajuda.
Da sua “peleja” interna extraem os
trepadores, arrivistas e chico-espertos moralidades que lhes facilitam a
compreensão da vida fácil. Convertem-nas em “slogan” e vendem-nas em livros,
cátedras, cursos de ”auto-ajuda” ou manuais de publicidade enganosa. Fazem do
seu pensar elementar um corpo de filosofia barata “ao alcance de todos”. São
eles os divulgadores principais do facilitismo que pretende afirmar que os
povos s Verbigracia Pinochet. E
tantos como ele. ó entendem o fácil. Levantam-se da sua
tumba as civilizações Maia e Azteca. Um grande arrivista, trepador e
chico-esperto é motivo de admiração entre os seus quando, à sombra de uma obra
excepcional consegue benefícios enormes para si e para os da sua
“estirpe”.
Não há limites para os trepadores,
arrivistas e chico-espertos. Tudo é possível se for fácil. Tudo é susceptível
de ser infectado com a sua moral de mosquito para se entregar às delícias dos
êxitos alcançados por outros. Não é uma epopeia, não pode sê-lo porque exige
esforço, é – dito de outro modo – o lirismo da codícia agachada num
individualismo mesquinho e arrepiante. A patologia social e pessoal dos que são
incapazes de inventar a sua gesta própria ou colectiva. Por conveniências ou
por medos, por medíocres ou por acomodados, por “espertos” ou por traidores.
Costumam ser, eles e elas, meticulosos em arrumar nas suas madrigueiras
“alimento” suficiente enquanto hibernam no trabalho de outros; costumam ser
especuladores, calculistas, comedidos e oferecidos até ganharem a confiança de
onde medrarão por sistema. Costumam ser muito “caladinhos”. Põe-te à defesa e
denuncia-os. (1)
No mapa ideológico complexo que o
capitalismo desenvolveu, registam-se híbridos e mutações de trepadores,
arrivistas e chico-espertos que envolvem e penetram os povos – e os indivíduos
- para cumprirem as ambições supremas do mercado. O capitalismo criou as suas
próprias pragas e parasitas – de baixo custo – para acelerar o trânsito
ideológico dos valores burgueses convertidos em resignação, derrota, medos e
consumismo nas cabeças dos povos. São formas da anti-política, do
anti-comunitarismo, do anti-socialismo, do anti-esforço... metamorfose do abuso
sobre o trabalho de outros e da cultura do despojo... por todos os meios. E que
nos fazem perder demasiado tempo.
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