Os limites da enunciação
Não se pode dizer o que nos dá na
gana
Por Fernando Buen Abad D
Um grosseiro "senso comum"
reza, com desenvolto disfarce de "livre-pensador", que "todos
podem dizer o lhes dá na gana"; que se é "livre de opinar" e
que, sob a proteção do subjetivismo e do individualismo ("tudo é segundo a
cor do cristal em que se mire"), solta-se a língua sob o capricho de
conspirações ou compulsões. Vivemos sob o império de um verdadeiro torneio de
irresponsabilidades e desvergonha. Em especial quando se vê que, numa
controvérsia assimétrica, o "mais forte" procede com uma ofensiva, grosseira
e ultrajante, que passa da origem de uma discussão ao ataque - e insulto -
pessoal.
Se se põe em risco a vida, o
bem-estar, a saúde, a integridade ou os direitos humanos fundamentais... não se
pode soltar a língua ao acaso! Se se mente, calunia e injuria… ninguém tem
direito à pretendida "liberdade" - a qualquer custo - sob qualquer
pretexto. E não importa o “engenho” que ponham, leigos ou especialistas, para fazer
passar suas lancetadas ofensivas e falaciosas contra pessoas, povos, movimentos
ou líderes sociais. O facto claro e concreto é que quem solta a língua para ferir
ou mentir deve ser sancionado. Assim
rezam centenas de Constituições Políticas, morais, sociais e religiosas em todo
o planeta. A "Liberdade de Expressão" não é um reduto para retóricas
delinquenciais nem salvo-conduto para qualquer barbaridade impune. Ainda que a
dissimulem como Liberdade de Expressão. Nem a "classificação"
justifica altissonâncias ou desvarios expressivos, especialmente se a
integridade de terceiros indefesos estiver em perigo ténue ou grave.
Tampouco goza de impunidade a
"opinologia" de mercado nem os "jornalistas" mercantis que,
sob a proteção de "fontes confidenciais" ou de pretendida
"autoridade moral", concluem dejetando epítetos dos quais o mais
venenoso, parcial e tóxico. Assim exageram o que exageraram; assim choraminguem
ou rasguem as vestimentas das suas camuflagens liberais. É imperativo cultural
estabelecer limites para as esquerdas e direitas, porque a integridade humana,
a sua dignidade e honra humanas, não podem ser presa da prosa com interesses
espúrios, por mais que trauteiem "liberdades" que se reservam apenas
para as suas negociatas. Aqui não há ingénuos.
O império ianque não tem o direito
de caluniar nenhum governo, nem qualquer líder ou movimento social, como tampouco
o têm os seus adoradores, onde quer que se encontrem. Nem a ONU ou a OTAN, nem
qualquer dos seus funcionários têm o direito de envenenar com os seus
“comentários” encomendados, se não tiverem provas materiais ou argumentos
sólidos. Não nos acostumaremos a que o poder cuspa qualquer lixo ideológico
contra os povos só porque não gostam do que fazem ou do que pensam. Embora usem
todos os seus meios, toda a sua farandolagem ou todas as suas máquinas de
guerra psicológica.
Outra coisa é apresentar um debate
sério, uma argumentação baseado em raciocínios consensuais e apoio documental.
Para isso existem métodos, marcos de referência científicos, jurídicos e
políticos. Tribunais, fóruns, academias especializadas e, principalmente, povos
em luta que são fonte de credibilidade suficiente e que devem ser ouvidos como
requisito de toda a controvérsia. Nenhum diferendo, que envolva grupos sociais,
pode ser resolvido à porta fechada ou nas costas dos interessados. Muito menos
com epítetos "engenhosos" fora de contexto, de lugar e de pessoas.
Todo o que "abre a boca"
deve ser consciente da responsabilidade que implica tudo o que diga. Somente no
âmbito de tal advertência é aceitável desenvolver um debate ou uma discussão com
perspetivas ou interesses. Mesmo para assuntos bélicos entre nações, existem
marcos legais que, entre razões difíceis de aceitar, se estabelecem limites e
regulam comportamentos. Estabelecem-se especialmente responsabilidades para os
ditos e para os factos. Não se pode dizer qualquer coisa por mais fanáticos da
“livre expressão” que se creiam ou se autoproclamem. Não é aceitável apresentar
como "argumento" o produto de um ódio sedimentado cuja forma, talvez
astuta, é apenas um esconderijo de classe.
Não é aceitável dizer qualquer
sandice e, menos aceitável é a sua defesa desavergonhada. Ainda que tenham títulos
ou doutoramentos. Ainda que o digam num tom "culto" ou com
histrionismo eruditos. É imperativo manter muita firmeza neste campo. Encheram-nos
com “esterco verborrágico”, o campo
didático do debate que é cenário na disputa do sentido e onde é essencial
“vigiar armas” para treinar inteligências, conhecimentos, convicções,
princípios e lutas, ou permitir que nos sequestrem, nos condenem ao silêncio e
nos reduzam a espectadores tolos. Não se trata de proibir ideias nem o direito
de mantê-las livremente, do que se trata é de garantir que essas ideias não
vagueiem impudicamente para infligir mais dificuldades aos mais débeis, nem
mais opressão aos historicamente oprimidos.
Pode-se ser enfático, mas sem
palhaçadas e sem exageros inúteis. Pode-se ser veemente, mas sem emboscadas de palavrório
obscurantista nem desfiguração de dados. Pode-se argumentar com números e com
razões sem os misturar. Pode-se pensar em pequenas coisas ou navegando contracorrente
do “sentido comum” mais "hegemónico"... o que é inaceitável é vender
a inteligência e saliva ao melhor licitante oligarca, sob o pretexto de que as
ideias são compartilhadas "quando, na realidade, trafica com interesses
oligarcas. Disso temos tido até à exaustão nas câmaras dos representantes tanto
como nas televisões dos monopólios. Estamos simplesmente fartos que nos vendam
o seu palavrório envolto em conversas de "liberdade" para nos
silenciar com silogismos e sofismas comerciais banhados em esterco de mercado. Estamos
cansados de não podermos debater seriamente porque as formas diversificadas e
camufladas de censura, deslizam por toda os lados, inclusive oferecidas como a
Liberdade de Expressão de uns tantos.
1 comentário:
Um texto para reflectir.Muito bom, como é habito de Buen Abad !Abraço
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