Editorial Público
18 de Janeiro de 2020
Manuel
Carvalho
Goebbels com o tempero
tropical de Bolsonaro
Não sabemos o que é pior: uma
citação intencional de um discurso nacionalista pronunciado por um dos mais
pérfidos sequazes de Hitler? Ou o papaguear inconsciente que prova o desconhecimento
absoluto da associação simbólica entre as palavras de Goebbels e a música de
Wagner?
O secretário da Cultura do Governo
do Brasil foi forçado a demitir-se após ter gravado um vídeo a citar um
discurso de Joseph Goebbels com música de Wagner como pano de fundo. Tão ou
mais assustador do que saber que as palavras de um dos mais abjectos
torcionários do nazismo serviram de inspiração a um governante de um país
democrático, é a desculpa que esse governante, Roberto Alvim, deu para as
proferir.
Disse ele que desconhecia ter citado
o ministro da propaganda de Hitler, um fanático
anti-semita que, no estertor do regime, se suicidou após ter assassinado as
suas seis filhas. Acrescentou que tudo se resumira a uma “coincidência
retórica”.
Não sabemos o que é pior: uma
citação intencional de um discurso nacionalista pronunciado por um dos mais
pérfidos sequazes de Hitler? Ou o papaguear inconsciente que prova o desconhecimento absoluto da associação simbólica entre as
palavras de Goebbels e a música de Wagner?
No primeiro caso, temos um fanático
perigoso que decide sair da clandestinidade; no segundo, temos um ignorante que
tanto desconhece a carga sinistra das palavras que profere como a herança
trágica do regime que as produziu – é mais provável que o episódio se enquadre
à luz da ignorância do que da consciência.
Tanto a primeira como a segunda
hipótese suscitam perplexidade e indignação. Mas quer a associação
intencional a uma mensagem nazi, quer a sua banalização por falta de cultura
geral se enquadram numa mesma origem: no Governo de Jair Bolsonaro. Não é
verdade que o próprio Presidente fez a apologia do coronel Carlos Brilhante Ustra, um
dos mais abjectos carrascos da ditadura militar? Não é verdade que o seu
ministro das Finanças fez em mais do que uma vez a defesa do Acto Institucional
5, o instrumento legal que extremou a ditadura militar e tolerou uma
persistente violação dos direitos humanos?
Seja por dolo ou por “coincidência
retórica”, a citação de Goebbels só acontece porque Bolsonaro e a sua trupe
normalizaram o culto de uma ideologia bem mais próxima do discurso fascista e
totalitário do que da tolerância democrática e liberal. Por pressão interna e
externa, Alvim acabou demitido, mas apenas porque foi longe de mais. E é aqui,
e só aqui, que o episódio deixa de ser apenas lamentável e começa a justificar
uma ténue esperança.
As instituições e os seus
representantes fizeram prevalecer a decência democrática. Mostraram que o
Brasil democrático tem músculo suficiente para proteger a sua Constituição. Sem
travões, os fautores do bolsonarismo caminhariam para as trevas da ditadura. O
escândalo Alvim mostrou-lhes os limites desse destino.
1 comentário:
Afinal,há limites para quem vinha medindo forças com a democracia ,ou o seu arremedo.Afina há esperança.Também para o povo brasileiro.Abraço
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