domingo, 19 de janeiro de 2020

Acertou em cheio, ainda bem.


Editorial Público
18 de Janeiro de 2020

Manuel Carvalho

Goebbels com o tempero tropical de Bolsonaro

Não sabemos o que é pior: uma citação intencional de um discurso nacionalista pronunciado por um dos mais pérfidos sequazes de Hitler? Ou o papaguear inconsciente que prova o desconhecimento absoluto da associação simbólica entre as palavras de Goebbels e a música de Wagner?
O secretário da Cultura do Governo do Brasil foi forçado a demitir-se após ter gravado um vídeo a citar um discurso de Joseph Goebbels com música de Wagner como pano de fundo. Tão ou mais assustador do que saber que as palavras de um dos mais abjectos torcionários do nazismo serviram de inspiração a um governante de um país democrático, é a desculpa que esse governante, Roberto Alvim, deu para as proferir.

Disse ele que desconhecia ter citado o ministro da propaganda de Hitler, um fanático anti-semita que, no estertor do regime, se suicidou após ter assassinado as suas seis filhas. Acrescentou que tudo se resumira a uma “coincidência retórica”.

Não sabemos o que é pior: uma citação intencional de um discurso nacionalista pronunciado por um dos mais pérfidos sequazes de Hitler? Ou o papaguear inconsciente que prova o desconhecimento absoluto da associação simbólica entre as palavras de Goebbels e a música de Wagner

No primeiro caso, temos um fanático perigoso que decide sair da clandestinidade; no segundo, temos um ignorante que tanto desconhece a carga sinistra das palavras que profere como a herança trágica do regime que as produziu – é mais provável que o episódio se enquadre à luz da ignorância do que da consciência.
Tanto a primeira como a segunda hipótese suscitam perplexidade e indignação. Mas quer a associação intencional a uma mensagem nazi, quer a sua banalização por falta de cultura geral se enquadram numa mesma origem: no Governo de Jair Bolsonaro. Não é verdade que o próprio Presidente fez a apologia do coronel Carlos Brilhante Ustra, um dos mais abjectos carrascos da ditadura militar? Não é verdade que o seu ministro das Finanças fez em mais do que uma vez a defesa do Acto Institucional 5, o instrumento legal que extremou a ditadura militar e tolerou uma persistente violação dos direitos humanos?

Seja por dolo ou por “coincidência retórica”, a citação de Goebbels só acontece porque Bolsonaro e a sua trupe normalizaram o culto de uma ideologia bem mais próxima do discurso fascista e totalitário do que da tolerância democrática e liberal. Por pressão interna e externa, Alvim acabou demitido, mas apenas porque foi longe de mais. E é aqui, e só aqui, que o episódio deixa de ser apenas lamentável e começa a justificar uma ténue esperança.

As instituições e os seus representantes fizeram prevalecer a decência democrática. Mostraram que o Brasil democrático tem músculo suficiente para proteger a sua Constituição. Sem travões, os fautores do bolsonarismo caminhariam para as trevas da ditadura. O escândalo Alvim mostrou-lhes os limites desse destino.

1 comentário:

Olinda disse...

Afinal,há limites para quem vinha medindo forças com a democracia ,ou o seu arremedo.Afina há esperança.Também para o povo brasileiro.Abraço