Do que se vê e se sente
Penas que
não se vêem não se sentem, diz o refrão mas não é verdade. Porque as penas são
como as noites mal dormidas – espanta-se o sono no momento de acordar, mas ele
virá. Esperará, matreiro, pela hora inconveniente, o sol no alto e as
obrigações reclamando cumprimento.
Coisa diferente, e mais acertada figura de estilo, será “varrerem-se as penas para debaixo do tapete”, o que equivale a dizer que invisíveis que sejam as penas, havendo-as, logo serão sentidas tão-só se levante o carpélio encobridor.
Coisa diferente, e mais acertada figura de estilo, será “varrerem-se as penas para debaixo do tapete”, o que equivale a dizer que invisíveis que sejam as penas, havendo-as, logo serão sentidas tão-só se levante o carpélio encobridor.
É nisto que estamos, nas nossas penas pelo Hospital dos Covões. Talvez surpreendidos pela saída à rua de tanta gente em defesa do Hospital, a aprovação de protestos na Assembleia Municipal e na CIM, as declarações da Ordem dos Médicos (do Centro) e dos sindicatos de quem pica o ponto à entrada dos serviços, os dignitários escondem as respostas na opacidade dos gabinetes, assim subindo o nível da invisibilidade das penas. E, mesmo estando à vista um processo continuado de desmantelamento do Hospital dos Covões, tivemos a Ministra da Saúde no Parlamento afirmando isto: “sobre se tem o Governo algum estudo técnico para justificar a transferência de serviços do Hospital Geral [dos Covões] para os hospitais da Universidade de Coimbra, não. Fundamento para a reclassificação da urgência, não. E estudo que sustente este tipo de opção também não”. Não reparei se corou.
Reinvente-se, pois, o refrão. E que passe a ser assim: “penas que se vêem… não se sentem”. A título de exemplo, tiremos de debaixo do tapete o serviço de Pneumologia. Viu-se, em abril de 2019, a extinção formal do serviço de pneumologia, passando para a alçada da Pneumologia dos HUC? Viu-se pois. E viu-se, em julho de 2019, confirmada “a diminuição de lotação do internamento de Pneumologia no Hospital Geral (Covões)”, resultando na concentração de camas de internamento nos já sobrelotados HUC? Claro que se viu. E também se viu, ao longo de 11 anos o ataque cerrado a serviços como os de Oftalmologia, Hematologia e Cardiologia? Pois viu. E alguém viu a permanente desvalorização do serviço de Urgências? Viu-se e bem visto! E sentiu-se.
Há, contudo, mais largas visões envolvidas no assunto. Como as que, indiferentes às penas de muitos, reservam ao Hospital dos Covões sortes que possibilitem florescentes negócios em obediência ao princípio um dia enunciado pelo ex-ministro Carlos Macedo: “quem quer saúde paga-a!”. Foi o que disse o figurão, assim à vista de toda a gente, indiferente às penas dos condenados à doença pelo simples facto de a não poderem pagar. “Penas que não se pagam, não se vêem”, há de ter glosado o governante num dia em que se achou mais pachorrento.
Acontece que, entretanto, até a barbárie se sofisticou. Os carlos-macedos do nosso tempo inventaram cigicques e externalizações, pregaram no peito um crachá do SNS (embora na versão $N$) e ocuparam o espaço que as fusões foram ampliando. Até quando?
Só as penas que se vêem podem ansiar não virem a ser sentidas. Olho aberto, pois então. Porque a ameaça ainda se deixa ver.
Pode ler a
opinião de Manuel Rocha na edição impressa e digital do DIÁRIO AS BEIRAS
1 comentário:
Boa análise de Manuel Rocha,sobre os negócios da saúde.Não é bom só no violino.Abraço
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