O que – mais mansinhos – já dizem
(descontada a fraseologia própria)
Avante! "Nesta festa há muitos abraços e beijinhos. Mas neste ano não"
Contra tudo e contra todos, o PCP faz avançar a sua festa anual, agora já em fase final de construção na propriedade que os comunistas compraram no Seixal, a Quinta da Atalaia. O DN visitou o espaço. Um dos organizadores reconheceu que, dentro do partido, "tudo foi ponderado", até a hipótese de, neste ano, o evento não se realizar.
DN - João Pedro Henriques
22 Agosto 2020
Nos tempos pré-pandemia, um dos espaços tradicionais na Festa do Avante! era o da reconstituição do prelo onde o jornal do PCP era impresso nos tempos da clandestinidade - pequenas máquinas muito primitivas facilmente deslocáveis de um lado para o outro e facilmente ocultáveis. O espaço era reconstituído, com as máquinas ainda a funcionar - e para as pôr a funcionar, recriando-se o espírito da época, mobilizavam-se velhos camaradas ainda do tempo da clandestinidade.
Desta vez, para desgosto dos velhos militantes que alinhavam nessa recriação, tal não vai acontecer. Numa visita feita nesta sexta-feira de manhã pelo DN ao espaço, ainda em construção, daquilo que será a Festa do Avante! dos próximos dias 4, 5 e 6 de setembro - no sítio do costume, a Quinta da Atalaia, na Amora, Seixal -, um dos responsáveis pela Festa, Paulo Lóia, funcionário do partido de que é militante desde 1979, explica que a decisão não teve apenas a ver com o facto de a recriação envolver pessoas idosas. Mais importante do que isso foi o facto de aquele espaço suscitar muita curiosidade dos visitantes. "Não vamos ter mais pontos de concentração de pessoas do que os necessários."
Para que haja mais espaço, o recinto foi aumentado em dez mil metros quadrados, ocupando ao todo 30 hectares (o equivalente a 30 campos de futebol). É possível, sem grande esforço, uma lotação da ordem das cem mil pessoas. Mas o PCP decidiu que, desta vez, não poderão estar mais de 30 mil pessoas ao mesmo tempo no recinto. E esta é apenas uma das medidas de segurança determinadas, num processo que tem envolvido conversações entre o partido e funcionários da Direção-Geral da Saúde (DGS).
Em frente ao maior dos palcos, o 25 de Abril, já foram pintados na relva círculos brancos, correspondendo ao espaço que cada pessoa vai ocupar para assistir aos espetáculos. Toda a gente estará a 1,5 metros do vizinho - à semelhança do que se viu no 1.º de Maio, na manifestação que a CGTP fez na Fonte Luminosa, em Lisboa.
DGS quer tudo sentado?
Dito de outra forma: para assistir aos concertos, desta vez não poderá haver contacto entre as pessoas que estarão na plateia. É neste momento da visita organizada para o DN que Paulo Lóia admite: "Nesta festa há muitos abraços e beijinhos, mas neste ano não." A dimensão da plateia foi aumentada em seis mil metros quadrados. Mas, por exemplo, tornou-se impossível levar neste ano à Festa uma orquestra sinfónica. É impossível, nesse caso, manter a qualidade musical e, ao mesmo tempo, aumentar a distância entre os músicos.
As mudanças feitas na Festa para a adaptar aos tempos de pandemia foram várias - começando pela tal redução máxima da lotação de cem mil pessoas para cerca de 30 mil. Os espaços para teatro e cinema passaram a ser ao ar livre. O Auditório 1.º de Maio também passou a ser ao ar livre (antes era fechado). Palcos de grandes dimensões para concertos passaram a ser apenas três, sendo o maior, como sempre, o Palco 25 de Abril.
Paulo Lóia, militante comunista e um dos organizadores de uma edição da Festa do Avante! que será muito diferente das anteriores
A visita do DN realizou-se durante a manhã e ao fim da tarde. Já quando se fechava esta edição, surgiu a notícia, via SIC, de que a DGS exigia aos comunistas que os concertos se fizessem com plateias sentadas (e não em pé, como o PCP pretendia, assegurando a tal distância de segurança entre pessoas de 1,5 metros). Interpelado pelo DN, o gabinete de imprensa do PCP assegurou, numa nota escrita, que o partido "não tem conhecimento de qualquer comunicação da DGS nesse sentido". Concluindo: "Como se sabe, as matérias tratadas com a DGS têm decorrido no estrito plano da relação entre o PCP e essa entidade."
A última Festa de Jerónimo?
Quase tudo passou, portanto, a ser ao ar livre - o que leva os organizadores a fazer figas para que não chova. Paulo Lóia diz que, nesta matéria, os comunistas têm "tido sorte". Mas recorda que, uma vez, por estar a chover, o comício de encerramento - que marca a mensagem política do PCP para a rentrée do novo ano político - teve de ser mudado para o Auditório 1.º de Maio, nessa altura fechado.
Desta vez está aberto - e se chover não haverá outro remédio para os militantes senão aguentarem à chuva. Como de costume, estão espalhadas pelo recinto todo colunas de som que debitarão o discurso do secretário-geral do partido, Jerónimo de Sousa.
Há muito que se especula que esta poderá ser a última Festa do Avante! em que Jerónimo de Sousa discursará como secretário-geral do PCP. O partido tem marcado congresso eletivo para novembro - mas a questão da liderança mantém-se tabu. Há palpites para todos os gostos. Já se sabe, entretanto, que, como é habitual, o PCP terá um candidato presidencial próprio. Não se sabe quem será.
1 comentário:
Subentende-se um "picosinho"nas entrelinhas,mas está bem "soft"e escorreito!Abraço
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