Entramos na semana do 11 de Março em
que se somam 46 anos sobre o frustrado golpe de setores militares
spinolistas que tinham na retaguarda, muitos sem o saberem, o MDLP e
o ELP e visava inverter o processo revolucionário, impedir as
eleições para a Constituinte e instaurar um “cesarismo” de poder
pessoal. Culminou a contrarrevolução que se iniciara na própria noite
25 de Abril de 1974 com a emenda que Spínola, apoiado pela JSN, impôs
ao Programa do MFA. As grandes roturas do PREC que aceleraram o ritmo
da revolução foram, todas, mais do que iniciativas revolucionárias,
respostas a golpes reacionários: Palma Carlos, 28 de Setembro, 11 de
Março.
Vivemos
hoje uma fase política insidiosa em que uma onda revanchista,
inspirada na extrema direita populista, tudo aproveita numa sinistra
manobra cujo objetivo final é o ajuste de contas com o 25 de Abril.
Depois do aproveitamento da morte Marcelino da Mata (MM), “uma
operação de abutres” como certeiramente lhe chamou Matos Gomes
ressurge, com idêntico carimbo, o Relatório das Sevícias. Documento
de 1976 foi, então, recebido com muitas reservas por membros do CR
dada a óbvia intenção de salientar excessos em momentos críticos do
PREC mas justificar os do 25 de Novembro.
Os
canais da “oportuna” difusão do relatório, que nunca foi secreto, são
os mesmos que se indignaram com a referência a atos criminosos da e
na guerra colonial e é gritante, mas nada estranho, o dualismo de
critérios que invocam. Sobre a guerra não há provas, não houve
julgamentos, há que ter em conta o contexto bélico em que ocorreram.
Quanto às sevícias, cuja gravidade não tem paralelo com aqueles,
também não há provas, também não houve julgamentos, mas aqui o
contexto, o de um processo revolucionário ameaçado por uma
contrarrevolução violenta envolvendo o ELP, o MDLP, o Plano Maria da
Fonte, a rede bombista, os apoios externos, não interessa. Os
eventuais crimes da e na guerra há que esquecê-los para que não
manchem a sua memória, as sevícias têm de ser apontadas para que não
se esqueçam e não se repitam.
Há
um pormenor que lhes escapa: os eventuais crimes da e na guerra
colonial jazem no silêncio porque a ditadura os abafou e deles se
serviu. As sevícias são públicas porque o próprio regime de Abril
promoveu a sua investigação. Que importa isso?
A
revivalista “glorificação” da guerra colonial, com o ignóbil
aproveitamento da morte de MM, ensaiou uma manobra de diversão
invocando os maus tratos que este sofrera no RALIS, nos quais tentou
envolver Diniz de Almeida, um dos mais destacados militares do MFA. É
obsceno. Diniz de Almeida é um homem digno, de caráter, corajoso e
está acima dessa canalhice. Não estava no quartel, foi chamado com
urgência para acudir à situação, logo que chegou resgatou MM, tirou-o
das mãos dos “torquemadas” do MRPP. Isto é omitido no Relatório das
Sevícias que, aliás, noutra passagem, até trata o MRPP como vítima.
Não admira, no 25 de Novembro o MRPP foi “aliado” do Grupo dos Nove,
esteve com os vencedores (efémeros) e viria a destacar-se nas
represálias que, na sua sequência, também não faltaram.
É
uma campanha aberrante e uma revisão da história. Se há algo
consensual entre historiadores, politólogos, sociólogos, nacionais e
estrangeiros, é a moderação da Revolução dos Cravos, o baixo nível de
conflitualidade em que se desenvolveu, a tolerância com os
responsáveis e torcionários do regime derrubado. E, é factual, os
atos de maior violência tiveram sempre a marca da contrarrevolução.
Repito
o que já escrevi, lamento que o PR esteja a deixar-se envolver nestas
manobras sujas. Mas a mágoa maior, que me fere a alma, é “sentir” aí
camaradas de Abril. Quem, conscientemente, participou no 25 de Abril,
só por ignorância ou estupidez pôde surpreender-se por, com a
instauração da liberdade plena, a guerra colonial ter ficado
irremediavelmente condenada e, com ela, o próprio império. Se, hoje,
capitães de Abril se sentem honrados por terem participado na guerra
colonial, é porque admitem que os seus objetivos, a manutenção da
ditadura e a preservação das colónias, eram justos. É então a altura
de pedirem desculpa por terem participado no 25 de Abril que pôs fim
à “honrosa” guerra e liquidou o império, essa nossa “pertença
congénita”.
Por mim, estou tranquilo e em paz com o que fiz.
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2 comentários:
Numa altura em que se acumulam acções que geram a promoção do regresso do fascismo é muito importante divulgar o pensamento de um Militar de Abril,que sempre se pautou pela honestidade.abraço
Como filho de Abril que sou desde cedo compreendi o significado de um risco na areia. Tal como sempre me questionei para onde teriam ido a generalidade da população que convivia bem com o regime com costumeiro encolher os ombros com lamentos "é a vida!" Mas que ao acordarem em 25 de 74 nem Guevara era mais revolucionário
Portanto este faz de conta durou todo este tempo e, curiosamente, quanto mais nos aproximamos dos 48 anos de democracia (Os mesmos que a ditadura nos ditou) o clique institucional tenha vindo da boca de 1o ministro com avisos que vinha por aí o diabo!!!
Sendo certo e sabido que a revolta militar se deveu não por oposição ao regime mas sim por divergências remuneratórias que foi, e bem, alavancada por políticos e partidos de oposição a esse mesmo regime que embora decadente sempre se sentiu tolerável pela população e nem a espécie de comon welth a portuguesa proposta por Spínola foi o garante de mudança de rumo.
Em suma, este imbróglio de português suave quasi bipolar marcou a minha geração de 76 e restantes gerações de um Portugal democrático cheio de sevícias passadas e presentes pois a aculturação democrática de fascistas normalizou e formalizou uma suposta paz podre pois foi o garante da sobrevivência de gentes que engrossam as fileiras do partido chega.
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