«Badajoz foi tomada pelos nacionalistas no dia 14 de Agosto de 1936 após duros combates. Foi sitiada, canhoneada e bombardeada pelos trimotores «de duro alumínio reflectindo os raios do sol», provavelmente «junkers alemães» que já intervinham em operações militares quando não havia transcorrido um mes desde a sublevação. Os legionários e os mouros das colunas em que mandavam os comandantes Carlos Asensio e António Castejón, ambos às ordens do tenente coronel Yagüe, entraram em Badajoz depois de encarniçados combates. Aos jornalistas que acompanhavam as forças de Yagüe no seu avanço desde o sul, proibiu-se-lhes ir ao Badajoz recém-conquistado, mas desde a vizinha fronteira portuguesa de Caia, o jornalista português do Diário de Lisboa, Mário Neves, e os franceses Jacques Berthet do Temps, e Marcel Dany da Agência Havas, conseguiram entrar na cidade no dia quinze. (…) Através dos relatos destes três jornalistas, a reportagem do fotógrafo René Bru, da Pathé Newsreels, e pelo que escreveu o estadunidense Jay Allen, correspondente do Chicago Tribune, que chegou a Badajoz nove dias depois, o mundo pôde conhecer a magnitude da onda de terror que acompanhava o avanço das forças nacionalistas pelo sul da Espanha.
Nos primeiros momentos logo da tomada de Badajoz, legionários mouros fuzilavam sumariamente todos os homens que encontravam pelas ruas com sinais de haverem disparado um fuzil. Posteriormente, foram concentrando os prisioneiros na praça de touros, onde os iam fuzilando por grupos com metralhadoras. Também se fuzilava no fosso das muralhas e nas portas do cemitério.
No dia dezasseis, uma coluna de fumaça branca que se elevava a um quilómetro e meio da cidade atraiu a atenção do jornalista português Mário Neves. A gente a quem perguntou lhe disse que naquela zona estava o cemitério. No dia seguinte, Mário Neves se encontrou por casualidade com um cura e travou uma conversa com ele. Foi graças a este padre que pôde descobrir a origem da misteriosa coluna de fumaça: era dos cadáveres! Amontoavam-nos no cemitério, regavam-nos com gasolina e deitavam-lhes fogo. O próprio cura o levou ao cemitério para que o pudesse ver com seus próprios olhos. A impressão foi-lhe tão forte que Mário Neves começou o despacho telefónico desse dia assim: «Vou partir. Quero deixar Badajoz, custe o que custar, o mais depressa possível e com a firme promessa à minha própria consciência de que não mais voltarei aqui. E, com efeito, não voltou senão quarenta e seis anos mais tarde e a pedido da cadeia inglesa Granada TV, que preparava uma série intitulada The Spanish Civil War.»[1]
No dia 14 de Agosto de 1936 e nas duas semanas seguintes foram mortas milhares de pessoas (segundo algumas estimativas cerca de 10 mil), a maioria fuzilada na antiga Praça de Touros de Badajoz.
Numa crónica censurada e que devia ter sido publicada no Diário de Lisboa no dia 17 de Agosto, o jornalista Mário Neves escreveu:
«Vou partir. Quero deixar Badajoz custe o que custar o mais depressa possível e com a firme promessa à minha consciência de que não mais voltarei aqui. Por muitos anos que me conserve na vida jornalística jamais se me deparará por certo acontecimento tão impressionante como este que me trouxe a terras abrasadoras de Espanha e me conseguiu desafinar por completo os nervos. Entrei aqui ontem às dez horas da manhã. Os cadáveres que vi não eram os mesmos que hoje encontro em locais diversos. As autoridades são as primeiras a divulgar para que se veja como é inflexível a sua justiça e que as execuções são em número muito elevado.
Que fazem então dos corpos? (no cemitério há dez horas que a fogueira arde. Um cheiro horrível penetra-nos pelas narinas a tal ponto que quase nos revolve o estômago.
Ao fundo num degrau cavado na terra, com o aproveitamento de uma diferença de nível, encontram-se sobre traves de madeira transversais semelhantes nas linhas férreas, numa extensão talvez de 40 metros, mais de 300 cadáveres, na sua maioria carbonizados. Alguns corpos arrumados com precipitação estão totalmente negros, mas outros há em que os braços ou as pernas, intactos, escaparam às labaredas provocadas pela gasolina."
Tão dantesca visão provocou loucura temporária a outro jornalista português Mário Pires, jornalista do Diário de Notícias [comprometido com o fascismo] que teve de ser internado em hospital psiquiátrico.
Foram milhares, os que caíram fuzilados na Praça de Touros de Badajoz, no cemitério e em várias praças da cidade.»
«A seleção dos jornalistas a enviar para a frente do conflito estava sujeita à aprovação do Secretariado de Propaganda Nacional, além de depender da obtenção de um salvo-conduto emitido pela Representação da Junta de Burgos em Lisboa.
O papel desempenhado pelos jornalistas portugueses, relatores de uma realidade distorcida e, na sua maioria, mercenários de uma propaganda ignóbil contra os defensores da IIª República espanhola, foi suficientemente relevante para que possamos considerá-los como agentes de uma campanha internacional de apoio ao franquismo. Eles realizaram, provavelmente, a cobertura mais completa da guerra de entre todos os jornalistas estrangeiros presentes em Espanha. Enviaram as suas crónicas a partir das múltiplas frentes da batalha, fazendo sempre interpretações parciais do conflito a favor dos rebeldes, de acordo com as directrizes fornecidas pelo governo do Estado Novo através do Secretariado de Propaganda Nacional.»
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