domingo, 8 de julho de 2012

UM ESTRANHO PURÉ


“Congresso Democrático das Alternativas”

"Resgatar Portugal para um futuro decente"

“Envolver a Sociedade Civil”

5 de outubro de 2012

São, na generalidade, pessoas bem instaladas na vida, com elevados graus académicos e investigadores de méritos reconhecidos. Alguns são denodados estudiosos dos movimentos da classe trabalhadora com o interesse e a curiosidade do biólogo debruçado sobre os instrumentos de trabalho e que, análise feita, publicita em revistas da especialidade os resultados do seu labor. Podem aparecer como observadores nas manifestações de protesto, tomando notas sobre o comportamento da plebe insatisfeita, sem nunca levantar a voz e muito menos o punho. De discurso fluente, olham com displicência os que com dificuldade expõem os seus anseios e propósitos. ouviram falar da fome e concluíram, após aprofundada investigação não experimental, que deve ser difícil de suportar e supõem que viver com o salário mínimo não será fácil. Como sempre acontece, há as exceções que dão ainda mais visibilidade à regra.

De trajetória partidária instável, vão procurando com mais ou menos visibilidade o seu nicho de classe. E, falsos modestos, procuram dissimular a atração pelas luzes da ribalta que lhes iluminam o protagonismo e nutrem o ego. Se os mídia, nomeadamente a televisão, por distração os ignora, o que raramente acontece, sentem-se descriminados e insurgem-se com vigor.

O desemprego alastra e a miséria e outras ameaças daí decorrentes começam a galgar as ameias dos seus castelos de conforto que supunham invioláveis. Por mais bizarro que nos possa parecer, muitos dos signatários de um talprograma”, recentemente divulgado, têm participado no crime social contra o qual, supostamente, e agora se insurgem, e outrosque assistiram a todas as maquinações a que temos estado sujeitos sem expressarem a mínima perturbação.

Os protagonistas promotores destas manifestações cíclicas encontram-se emparedados entre os grandes senhores que, desde sempre, vêm servindo, mas que não lhes oferecem total confiança, e aqueles que denominam por desprotegidos e que cada vez mais engrossam a revolta, que se revoltem, pois, é natural que assim seja e até lhes pode servir, mas que nunca o façam de modo organizado seria relegá-los para um humilhante plano secundário, e, do alto dos seus profundos conhecimentos, na maioria são professores universitários, têm dificuldade em admitir que os trabalhadores se consigam emancipar sem que por eles sejam conduzidos.

Nos meses de verão desarticulam-se as movimentações de protesto mas continua a levedar a indignação, e aproveitando este afrouxar, o patronato e os governadores do protectorado em que vivemos, dão mais umas voltas no garrote dos que mal podem respirar. Setembro é o mês das famílias fazerem o balanço dos “deve e haver” e, cercadas no lamaçal para onde as arrastaram, procuram libertar-se.

É certo que, na sua quase totalidade, os signatários do programa, uma espécie de apanha-moscas nas antigas mercearias de bairro, não sabem o que seja uma greve e nem calculam o esforço necessário para a organizar ou os riscos que correm aqueles que nela participam. No entanto, estas vibrações são sentidas nos meios intelectuais atentos ao pulsar social, e no ambíguo e amplo leque ideológico e sensibilidades díspares, soa o toque a reunir e, despertos, cada qual à sua maneira, respondem à chamada. Mas ao surgir o toque de avançar ninguém sabe para onde nem como acionar os seus ímpetos e, mais uma vez, regressam a penates sem nem sequer se sentirem frustrados, porque habituados estão às suas inconsequências. Quantas siglas se evaporaram neste curto espaço histórico?

O “projecto para envolver a sociedade civil”, repleto de doutos lugares-comuns, é umprogramaraso, que nos mostra a intensidade das preocupações expostas e as expetativas vazias de conteúdo. "Resgatar Portugal para um futuro decente"… mais que um programa é um suspiro.

Desde que me conheço nestas lides, que observo as andanças de gente cansada de se preocupar com os males que desde sempre nos afligiram. Apresentam os seus manifestos radicais ou insípidos em função da conjuntura, e partem de férias, porque isto de lutar contra o fascismo ou o neo-fascismo é entretenimento quegozo discutir numa sombra acolhedora com um branco seco geladinho e uns percebes e regressar ao “combateainda bronzeados e com um cheirinho a maresia.

Isto de fazer parte e ter uma sólida base de apoio numa classe habituada a enfrentar dificuldades e a ser estigmatizada não é tarefa fácil.

Quando destruíram a reforma agrária e de seguida todo o nosso tecido industrial, os operários industriais e agrícolas e as suas organizações lutaram sós até ao último fôlego.

Hoje são os professores, bancários, médicos, advogados que vêem os seus postos de trabalho em risco ou não encontram futuro para os seus filhos.

O badalado “Congresso” está anunciado para outubro, mês de grandes explosões sociais, momento ideal para se discutir como "Resgatar Portugal para um futuro decente" e, mais uma vez, ficar por .

Curiosamente, poucos dias antes do anunciado “Congresso”, o Arnaldo Matos voltou à ribalta.

É curioso!...

4 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Extraordinário texto!!!!
Como estão bem caraterizados esses "revolucionários" com "lindo" palavreado, mas pouca ou nenhuma ação. Onde estavam eles quando se preparava uma greve, quando se organizava um protesto sectorial,quando se matava na Reforma Agrária e no 1º de Maio,enfim na organização da resistência,na luta que dói mesmo?!!

Um beijo.

filipe disse...

Bom post!
Que me perdoem aqueles que, honestos, ainda são atraídos por estes "suspiros enlevados" com quem trabalha: com tantas "alternativas", esta esquerda mais parece uma "Esquerda de Alterne"!
Um abraço.

trepadeira disse...

Um texto excelente.

Um abraço

mário

trepadeira disse...

Desculpem a insistência.
Observei melhor as batatas,são todas modificadas em laboratório.

mário