sábado, 13 de junho de 2015

15 de Junho de 2005 - Um doloroso silêncio


 
Um doloroso silêncio
Atraída por um sentimento difuso, de todas as artérias convergentes à Praça do Chile, a tristeza tornava-se multidão. Uma amálgama de classes sociais de três gerações unidas numa dor comum. Não dialogavam, olhavam-se surpresas procurando a resposta, o porquê de ali se encontrarem esperando que surgisse, numa lágrima ou soluço, a resposta que a dor retida recusava. 

Um cravo vermelho floria junto ao rosto de uma jovem que, abraçando-o, aguardava o momento de o devolver a quem até ali a trouxera sem disso ter conhecimento. A flor pertencia a quem lhe dera o mais perfeito exemplo de como se constrói a liberdade. Pálida, de semblante carregado, de quando em vez erguia-se em bicos de pés de entre o povo que a envolvia, não descortinando mais do que gente caminhando em sua direcção. Dentes cerrados, olhos marejados, um homem vigoroso engolia um soluço. Ninguém se saudava, poucos se conheciam, tinham no entanto um compromisso comum, uma dívida a saldar e aguardavam o credor. Se alguém soltasse a centelha de dor que a custo retinha faria explodir a mágoa que cada vez mais se adensava, aguardando o extravasar da angústia.

Em comunhão, todos sentiam que algo de diferente acontecera, que a história na sua pulsão inexorável continuaria o seu curso mas que havia perdido um protagonista que deixara marca indelével no seu percurso. Um jovem casal de mãos dadas retido no espaço e como que parado no tempo, um ancião esgueirando-se por entre a multidão caminhando num labirinto de interrogações procurava a saída que não esperava encontrar. Esgotava-se a tarde, um bruaà como indicador faz convergir todos os olhares para o cortejo que, ao longe, se vislumbrava em nossa direcção. Já aí vem, murmurava-se como se anunciássemos a chegada de um amigo a um encontro combinado, já aí vem pronunciava-se num murmúrio abafado pela emoção. Foi o nosso último e derradeiro encontro. Lançámos-lhe cravos como gritos de silêncio porque as palavras surgiam deslocadas.

A maior manifestação de reconhecimento e dor de que se guarda memória, não se antevendo quem possa suscitar igual merecimento

(publicado em 2013 no blog criado para assinalar o seu centenário)

1 comentário:

Olinda disse...

Impressionante texto.Revivi O Dia,ao lë-lo!Ainda tenho o meu cravo,entre um livro do Âlvaro.Para,algum dia,poder dizer aos meus netos:Este ê o cravo....

Abraco