Um doloroso silêncio
Atraída por um sentimento difuso, de
todas as artérias convergentes à Praça do Chile, a tristeza tornava-se
multidão. Uma amálgama de classes sociais de três gerações unidas numa dor
comum. Não dialogavam, olhavam-se surpresas procurando a resposta, o porquê de
ali se encontrarem esperando que surgisse, numa lágrima ou soluço, a resposta
que a dor retida recusava.
Um cravo vermelho floria junto ao
rosto de uma jovem que, abraçando-o, aguardava o momento de o devolver a quem
até ali a trouxera sem disso ter conhecimento. A flor pertencia a quem lhe dera
o mais perfeito exemplo de como se constrói a liberdade. Pálida, de semblante
carregado, de quando em vez erguia-se em bicos de pés de entre o povo que a
envolvia, não descortinando mais do que gente caminhando em sua direcção. Dentes
cerrados, olhos marejados, um homem vigoroso engolia um soluço. Ninguém se
saudava, poucos se conheciam, tinham no entanto um compromisso comum, uma
dívida a saldar e aguardavam o credor. Se alguém soltasse a centelha de dor que
a custo retinha faria explodir a mágoa que cada vez mais se adensava,
aguardando o extravasar da angústia.
Em comunhão, todos sentiam que algo
de diferente acontecera, que a história na sua pulsão inexorável continuaria o
seu curso mas que havia perdido um protagonista que deixara marca indelével no
seu percurso. Um jovem casal de mãos dadas retido no espaço e como que parado
no tempo, um ancião esgueirando-se por entre a multidão caminhando num
labirinto de interrogações procurava a saída que não esperava encontrar.
Esgotava-se a tarde, um bruaà como indicador faz convergir todos os olhares
para o cortejo que, ao longe, se vislumbrava em nossa direcção. Já aí vem,
murmurava-se como se anunciássemos a chegada de um amigo a um encontro
combinado, já aí vem pronunciava-se num murmúrio abafado pela emoção. Foi o
nosso último e derradeiro encontro. Lançámos-lhe cravos como gritos de silêncio
porque as palavras surgiam deslocadas.
A maior manifestação de reconhecimento e dor de que se
guarda memória, não se antevendo quem possa suscitar igual merecimento
(publicado em 2013 no blog criado para assinalar o seu centenário)
1 comentário:
Impressionante texto.Revivi O Dia,ao lë-lo!Ainda tenho o meu cravo,entre um livro do Âlvaro.Para,algum dia,poder dizer aos meus netos:Este ê o cravo....
Abraco
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