A propósito da tentativa de privatizar o
Forte de Peniche, recordei este texto publicado em vários jornais há 16 anos.
VOLTÁMOS, PAPÁ!
“Fantasmas invisíveis que atormentam
O sono leve dos que se alimentam
Da liberdade de qualquer irmão.”
Miguel Torga
Aos poucos estamos a recuperar os teus
lugares de eleição. Sei que não gostas do termo. Eleição é um vocábulo amargo,
sabe a votos e lembra os devotos da liberdade e também os militares de
Abril.
Enfim, o que lá vai, lá vai!
Sabes papá: “A antiga sede da
ex-PIDE/DGS vai ser transformada em habitação de luxo-caro.” Estás contente? Um
escriba da nossa praça fez deste acontecimento uma crónica que não será lida.
Ao contrário do que acontecia no teu tempo hoje há tanto papel à venda que as
verdades diluem-se no lixo. São ignoradas não por defeito mas por
excesso. Se te tivesses lembrado meu manholas manhoso!…
Mas, repara bem nas enormidades, nas
calúnias deste escriba: “Devemos permitir que voltem ao local do crime, abrir-lhes as portas
dessas habitações que se pretendem de luxo-caro, já que não é possível
abrir-lhes sequer uma nesga de acesso ao remorso.
A alta finança, pilar do regime
salazarento, sentir-se-á em casa, matando saudades dos que mataram. Não dos
mortos, bem entendido, mas dos assassinos. É uma incursão ao passado, o
regresso à origem, ao seu covil doirado.
O local mantém a tranquilidade sufocante
de outros tempos, e os presumíveis hóspedes sentirão a envolvência do “pai
tirano”, do velho, dos velhos tempos em que um simples telefonema acalmava os
protestos nas fábricas, mesmo se os trabalhadores reclamassem simplesmente que
o fruto do seu labor lhes mascarasse a fome.”
Papá, agora já não é necessário chamar a
polícia, em 2010 o atual número de trabalhadores com contratos limitados vai
duplicar em Portugal. A previsão foi revelada pelo primeiro estudo europeu
sobre trabalho temporário apresentado em Bruxelas. Desculpa que te diga querido
papá, mas nesta democracia que tanto temias atingem-se os mesmos objetivos de
exploração, sem necessidade de recorrer aos “tabefes” que mandavas dar nos
trabalhadores menos educados.
E as imposturas
continuam:
“Os gritos causados pelas sevícias ainda
hoje escorrem pela fachada dos edifícios, colando-lhes/nos as imagens de terror
que perdura.
Apagar os vestígios de sangue, dos
dentes cuspidos, dos rostos irreconhecíveis, dos corpos macerados e atirados
para as enxovias depois de dias de estátua, colocando nos mesmos espaços móveis
de coleção, ostentando sem pudor o fausto só possível sorvendo o suor alheio,
confirma o triunfo da “democracia” neoliberal e a preocupação em apagar da
história os seus naturais alicerces.
Sentir a ressonância de uma câmara de
horrores, ouvir os urros que saltam diretamente dos pulmões, do estrondo choco
do corpo jogado da janela para o pátio.
Vão, vão para lá, é esse o vosso lugar,
símbolo da vossa arrogância da vossa insensibilidade frutos naturais do vosso
poder: vão e aproveitem até à próxima partida. O tal “fim da história” que o
cretino Fukuyama andou por ai a propalar e que tantos gostariam que assim
fosse, só terá lugar se a vossa ganância destruir o planeta.
Os que propõem e aceitam tal projeto
estão certos que lhes não vão faltar clientes. E os pretensos compradores
desses apartamentos de luxo-caro sabem que se trata de um regresso a casa, que
irão viver no preciso local em que se cometiam as mais bárbaras sevícias.
Matava-se sob o controlo atento de um tirano de “brandos costumes”,
torturavam-se homens e mulheres cuja coragem nos transmitia esperança e nos
fazia acreditar no futuro, que já esteve mais perto mas pelo qual continuamos a
lutar.
Recear acordar com os gritos dos
torturados que as paredes daquele covil encerram ou ter as alucinações dos
supliciados à estátua? É para o lado em que dormem melhor.”
Só mentiras papá. Que deus te guarde
muito bem guardado.
- E algemado se possível.
1 comentário:
E andam por aí tantos filhos do papá...Gostei do texto.Abraço
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