quarta-feira, 24 de maio de 2017

DIDÁCTICA DAS AMBULÂNCIAS por Fernando Buen Abad Dominguez

DIDÁCTICA DAS AMBULÂNCIAS

Ética do Urgente e do Importante

Quase tudo o que é importante é urgente. Num caso é noção de hierarquia, no outro é noção de tempo. Assim o entende, por exemplo, quem maneja uma ambulância. Se rmalment e "do ou neja uma ambulão importantes os semáforos, é verdade, mas muito importante é a vida de quem viaja (acidentado ou não) numa ambulância. Logo, em condições de seriedade, tudo o que “normalmente” é importante cede o seu lugar ao urgente. Digam o que disserem os “burocratas”, os reformistas ou os indolentes para os quais a relação entre urgência e importância se confunde com a obediência aos “chefes” ou à negligência e não às necessidades sociais.

Para a humanidade, é muito importante livrar­-se do jugo do capitalismo, é urgente… Deveríamos dedicar-nos, a tempo inteiro, à nossa libertação da coloniaje económica e ideológica que põe em risco real a sobrevivência do planeta e de todas as formas de vida, incluindo a humana. O simples acto de olhar para as cifras deveria fazer-nos entender o quanto é urgente sair de um sistema injusto, excludente, belicista e humilhante como aquele que reina nos nossos povoados desde há demasiados séculos. Contudo, vamos muito devagar. A humanidade está em perigo. É um problema de hierarquia ou de tempo?
É muito importante combater as mentiras, a tergiversação e a desinformação. É muito importante conhecer a verdade, saber socializá-la e saber o que fazer com ela. É de importância suprema viver e conviver em unidade e com princípios comunitários a toda a prova. É urgente, mas apesar disso vamos devagar. Somos travados pelos semáforos da estultícia. O que nos falta? Falta-nos Ética?

Impuseram-nos, com forças militares e forças ideológicas, uma “Cultura da Banalidade” que surte efeitos desastrosos. Contém individualismo de todo o tipo, escapismos a granel, solipsismos e anti-política até à saciedade. O seu non plus ultra é o consumismo adoçado com egolatria de mercado e colheradas generosas de indolência burguesa. Por isso importa mais, na agenda do quotidiano, o castigo a um futebolista, os casamentos da farândula, as bisbilhotices nos meios ditos cor-de-rosa... que o importante e o urgente verdadeiro. Por isso nos anestesiam, com luz de televisores e enquanto nos saqueiam os salários, os recursos naturais... a própria vida afogados em banalidades bacteriológicas.
A vida diária escapa-se-nos enquanto damos importância ao secundário, ao mediato e ao intranscendente que nos são servidos para nos darem a ilusão de estarmos à espera do verdadeiramente importante. E a vida escoa-se. A banalidade invisibiliza-nos a luta, torna-a postergável e intrascendente. A banalidade faz-nos ver um mundo que realmente está “de pernas para o ar” como se essa fosse a sua ordem natural e como se devêssemos aceitá-lo sem tugir nem mugir. Para cúmulo, a banalidade com que o capitalismo nos anestesia é um grande negócio para aqueles que nos vendem valores banais disfarçados de moda, disfarçados de prazeres, disfarçados de instituições sagradas. Ensinaram-nos a aceitar todas as banalidades que o capitalismo inventa como se fossem o mais importante e o mais urgente. A banalidade a sério. Ética anestesiada.

Nada é mais importante do que acabar com a cultura belicista que nos afoga, dia a dia, até no mais impensado. Nada é mais importante do que ter um mundo sem máquinas de guerra ideológica e sem guerras psicológicas. Nada é mais importante do que conquistar a Justiça Social para o povo trabalhador. Nada é mais importante do que um mundo de seres humanos com igualdade de oportunidades e de condições objectivas. Nada é mais importante do que assegurar um planeta que seja a Pátria da Humanidade sem excluídos, sem amos e sem escravos. Sem seres humanos explorados e sem classes exploradoras. Nada é mais importante do que conseguirmos ser humanos emancipados, cultos e livres. Nada é mais importante do que viver num planeta sem medo.

Não é importante – nem urgente – pôr a salvo os lucros das oligarquias nem das suas colónias. Não é importante entregar-lhes as terras, as minas, os rios, os mares, as montanhas, os subsolos nem os céus. Não são importantes os negócios burgueses com a educação, a habitação, a saúde e o trabalho. Não é importante a “moral” dos opressores nem é importante o bem-estar de uns quantos sectores que são donos da imensa maioria das riquezas do planeta. O importante é o futuro são e salvo para todas as crianças. O importante é a vida digna para os adultos mais idosos. O importante é o trabalho emancipado para a juventude e para todos. O importante é derrotar toda a banalidade e toda a injustiça. Como dizer? Há que abrir passagem à ambulância da História, a humanidade está em risco.

O “Pensamento Crítico” consiste fundamentalmente em aprender a pôr em ordem os nossos métodos para conhecer o mundo, para enunciar esse conhecimento e para organizar e mobilizar condutas emancipadoras. Saber o que está em primeiro e o que está em segundo. O que é o urgente e o que é o adiável. O que é importante e o que não o é. O “Pensamento Crítico” é produto humanista e dialéctico de si mesmo, a chave de uma luta. A luta de classes. É esse o seu território fértil e a sua fonte de identidade. Nessa luta aprende-se quem são os sujeitos em contenda, quantos há de cada lado, com que forças contam, qual é o seu desenvolvimento desigual e combinado e quais são as suas derrotas e as suas vitórias... o “Pensamento Crítico” forma-se como consciência da disputa que mobiliza a história e que lhe dá perspectivas, para o bem ou para o mal, sobre o próprio destino da humanidade e do planeta. Por isso o “Pensamento Crítico” é tão importante. E não há transformação possível se o “Pensamento Crítico” não se faz carne nos povos e suas lutas. Comuna ou nada.

Aquele que maneja uma ambulância sabe que, chegado o momento, o importante é um mandato ético e social. Que nada nem ninguém pode opor-se ou sobrepor-se ao cometimento de salvar a vida. Nem os semáforos nem a hora de almoço. Nem os afectos nem as banalidades. Nada é mais importante e, por isso, é urgente chegar, íntegros e proactivos, ao cumprimento da tarefa suprema de ser solidários com quem precisa de toda a nossa destreza, de toda a agudeza e de toda a presteza. A bordo da ambulância vai um pacote didático para toda a sociedade. Vai a vida e a morte com o nosso papel perante uma e outra. Vai a necessidade de cumprir com o dever e o amor por cumpri-lo. Vai a inteligência e a paixão por ser útil. Vai o risco e vão as ciências. Vai o instante da sorte e vai o aprumo do científico. Vai a história da humanidade e vai o futuro de quem sofre um acidente. Vamos todos e sabemos que vão juntos, o importante e o urgente. Assim deveríamos ser com tudo. Seria uma evolução Cultural nutrida por pensamento crítico e moral de comunidade. E o mundo será diferente.

Rebelión/Instituto de Cultura e Comunicação UNLA

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