Ética do Urgente e do Importante
Quase tudo o que é
importante é urgente. Num caso é noção de hierarquia, no outro é noção de
tempo. Assim o entende, por exemplo, quem maneja uma ambulância. S ão
importantes os semáforos, é verdade, mas muito importante é a vida de quem
viaja (acidentado ou não) numa ambulância. Logo, em condições de seriedade,
tudo o que “normalmente” é importante cede o seu lugar ao urgente. Digam o que
disserem os “burocratas”, os reformistas ou os indolentes para os quais a
relação entre urgência e importância se confunde com a obediência aos “chefes”
ou à negligência e não às necessidades sociais.
Para a humanidade, é
muito importante livrar-se do jugo do capitalismo, é urgente… Deveríamos
dedicar-nos, a tempo inteiro, à nossa libertação da coloniaje económica e ideológica que põe em risco real a
sobrevivência do planeta e de todas as formas de vida, incluindo a humana. O
simples acto de olhar para as cifras deveria fazer-nos entender o quanto é
urgente sair de um sistema injusto, excludente, belicista e humilhante como
aquele que reina nos nossos povoados desde há demasiados séculos. Contudo,
vamos muito devagar. A humanidade está em perigo. É um problema de hierarquia
ou de tempo?
É muito importante
combater as mentiras, a tergiversação e a desinformação. É muito importante
conhecer a verdade, saber socializá-la e saber o que fazer com ela. É de
importância suprema viver e conviver em unidade e com princípios comunitários a
toda a prova. É urgente, mas apesar disso vamos devagar. Somos travados pelos semáforos da estultícia. O que nos
falta? Falta-nos Ética?
Impuseram-nos, com
forças militares e forças ideológicas, uma “Cultura da Banalidade” que surte
efeitos desastrosos. Contém individualismo de todo o tipo, escapismos a granel,
solipsismos e anti-política até à saciedade. O seu non plus ultra é o consumismo adoçado com egolatria de mercado e
colheradas generosas de indolência burguesa. Por isso importa mais, na agenda
do quotidiano, o castigo a um futebolista, os casamentos da farândula, as
bisbilhotices nos meios ditos cor-de-rosa... que o importante e o urgente
verdadeiro. Por isso nos anestesiam, com luz de televisores e enquanto nos
saqueiam os salários, os recursos naturais... a própria vida afogados em
banalidades bacteriológicas.
A vida diária
escapa-se-nos enquanto damos importância ao secundário, ao mediato e ao
intranscendente que nos são servidos para nos darem a ilusão de estarmos à
espera do verdadeiramente importante. E a vida escoa-se. A banalidade
invisibiliza-nos a luta, torna-a postergável e intrascendente. A banalidade
faz-nos ver um mundo que realmente está “de pernas para o ar” como se essa
fosse a sua ordem natural e como se devêssemos aceitá-lo sem tugir nem mugir.
Para cúmulo, a banalidade com que o capitalismo nos anestesia é um grande
negócio para aqueles que nos vendem valores banais disfarçados de moda,
disfarçados de prazeres, disfarçados de instituições sagradas. Ensinaram-nos a
aceitar todas as banalidades que o capitalismo inventa como se fossem o mais
importante e o mais urgente. A banalidade a sério. Ética anestesiada.
Nada é mais importante
do que acabar com a cultura belicista que nos afoga, dia a dia, até no mais
impensado. Nada é mais importante do que ter um mundo sem máquinas de guerra
ideológica e sem guerras psicológicas. Nada é mais importante do que conquistar
a Justiça Social para o povo trabalhador. Nada é mais importante do que um
mundo de seres humanos com igualdade de oportunidades e de condições
objectivas. Nada é mais importante do que assegurar um planeta que seja a
Pátria da Humanidade sem excluídos, sem amos e sem escravos. Sem seres humanos
explorados e sem classes exploradoras. Nada é mais importante do que
conseguirmos ser humanos emancipados, cultos e livres. Nada é mais importante
do que viver num planeta sem medo.
Não é importante – nem
urgente – pôr a salvo os lucros das oligarquias nem das suas colónias. Não é
importante entregar-lhes as terras, as minas, os rios, os mares, as montanhas,
os subsolos nem os céus. Não são importantes os negócios burgueses com a
educação, a habitação, a saúde e o trabalho. Não é importante a “moral” dos
opressores nem é importante o bem-estar de uns quantos sectores que são donos
da imensa maioria das riquezas do planeta. O importante é o futuro são e salvo
para todas as crianças. O importante é a vida digna para os adultos mais
idosos. O importante é o trabalho emancipado para a juventude e para todos. O
importante é derrotar toda a banalidade e toda a injustiça. Como dizer? Há que
abrir passagem à ambulância da
História, a humanidade está em risco.
O “Pensamento Crítico”
consiste fundamentalmente em aprender a pôr em ordem os nossos métodos para
conhecer o mundo, para enunciar esse
conhecimento e para organizar e mobilizar condutas emancipadoras. Saber o que
está em primeiro e o que está em segundo. O que é o urgente e o que é o
adiável. O que é importante e o que não o é. O “Pensamento Crítico” é produto
humanista e dialéctico de si mesmo, a chave de uma luta. A luta de classes. É
esse o seu território fértil e a sua fonte de identidade. Nessa luta aprende-se
quem são os sujeitos em contenda, quantos há de cada lado, com que forças
contam, qual é o seu desenvolvimento desigual e combinado e quais são as suas
derrotas e as suas vitórias... o “Pensamento Crítico” forma-se como consciência
da disputa que mobiliza a história e que lhe dá perspectivas, para o bem ou
para o mal, sobre o próprio destino da humanidade e do planeta. Por isso o
“Pensamento Crítico” é tão importante. E não há transformação possível se o
“Pensamento Crítico” não se faz carne
nos povos e suas lutas. Comuna ou nada.
Aquele que maneja uma
ambulância sabe que, chegado o momento, o importante é um mandato ético e social.
Que nada nem ninguém pode opor-se ou sobrepor-se ao cometimento de salvar a
vida. Nem os semáforos nem a hora de almoço. Nem os afectos nem as banalidades.
Nada é mais importante e, por isso, é urgente chegar, íntegros e proactivos, ao
cumprimento da tarefa suprema de ser solidários com quem precisa de toda a
nossa destreza, de toda a agudeza e de toda a presteza. A bordo da ambulância
vai um pacote didático para toda a sociedade. Vai a vida e a morte com o nosso
papel perante uma e outra. Vai a necessidade de cumprir com o dever e o amor
por cumpri-lo. Vai a inteligência e a paixão por ser útil. Vai o risco e vão as
ciências. Vai o instante da sorte e vai o aprumo do científico. Vai a história
da humanidade e vai o futuro de quem sofre um acidente. Vamos todos e sabemos
que vão juntos, o importante e o urgente. Assim deveríamos ser com tudo. Seria
uma evolução Cultural nutrida por pensamento crítico e moral de comunidade. E o
mundo será diferente.
Rebelión/Instituto de Cultura e Comunicação UNLA
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