domingo, 18 de março de 2012

OS JESUÍTAS

OS JESUÍTAS

Espécie de bolos folhados com recheio, em forma de triângulo isósceles.”(de - O Pasteleiro e a Geometria)

Na fábrica, devido a um atraso na entrega de materiais, dispensaram-na mais cedo. O almoço havia sido magro. Estava cansada, não propriamente uma fatiga física; sentia-se abatida, prostrada, envolta numa preocupação que a apertava, um mal-estar indefinido.

Entrou num café, sentou-se e pediu uma bica para justificar a ocupação da mesa. Apetecia-lhe um bolo, mas preferia partilhar esse prazer logo que o filho chegasse da escola. Tinha que esperar ainda duas horas por ele e... tanto para fazer em casa!...

Deu por si a mexer o café e, depois, se apercebeu que se esquecera de o açucarar. Como é costume dizer-se, “não estava .” Não!

Procurava encontrar solução para o resto da semana em que muito provavelmente não poderia ir esperar o filho à saída da escola, e também não o deixaria assim ao deus-dará!

Enquanto cismava, reparou numa travessa de jesuítas no balcão-vitrina, brilhantes, apetecíveis. Resistiu à tentação, havia prometido a si mesma esperar pelo filho.

Entretanto, ia tentando lembrar-se de alguém que a pudesse ajudar, mas sem resultado. O marido trabalhava longe, estava a prazo e procurava assegurar o emprego e também não tinha hora certa de saída.

Como ? Quem ?!

Invadia-a uma grande debilidade, sentiu-se desfalecer. Pensou que fosse fraqueza.

Voltou a olhar para os jesuítas. Porquê jesuítas? - procurava abstrair-se da sua principal preocupação jogando com as palavras – aos bolos poder-lhe-iam ter chamado “loiolas”, “hipócritasouardilosos”.

Mas a obsessão voltava cada vez com mais intensidade: o banco de horas, o filho e a impossibilidade de o acompanhar à escola e... os jesuítas; os bolos e os outros.

Na mesa ao lado uma senhora lamentava-se: O marido, motorista do senhor ministro, chegava a desoras a casa porque tinha que levar e esperar pelos meninos na discoteca.

Uma necessidade insuportável de respirar fundo e um aperto dorido no peito sufocava-a. Pediu um copo com água sem ser ouvida; suores frios, sons distantes, um clarão e as trevas.

De imediato, todos se inquietaram com o episódio, ninguém no café deixou de manifestar a sua preocupação, dar os seus palpites, chamar o 112, obrigá-la a beber o inevitável copo de água, lamentar o sucedido.

Solícitos e de consciências tranquilas, cada qual levou para casa um episódio que relatou à sua maneira, fazendo jus, certamente, à sua participação no incidente.

Se a algumas das prestimosas criaturas, lhes tivessem dito que este era um dos muitos resultados do pacote laboral, ir-se-iam esgueirando comprometidas, sub-repticiamente, cobardemente porque nãoninguém que se não sinta culpada.

É muito mais cómodo chamar o 112 ou dar um copo de água, sobretudo a alguém que tem sede de justiça.

2 comentários:

trepadeira disse...

Vamos ter,todos,de deixar de assobiar para o lado.

Um abraço,
mário

Graciete Rietsch disse...

Muito bonito o texto. Mas quem o sentirá dentro de si? Não são as pessoas que não olham para os outros. É a sociedade e a sua própria vida que as tornam duras.

Um nbeijo