quarta-feira, 11 de novembro de 2015

«A “televicracia” é a negação da democracia»



Televicracia
Fernando Buen Abad Domínguez
Rebelión/Universidad de la Filosofía
(tradução de Agostinho Santos Silva)

Jorge Saldaña [1] cunhou o termo “televicracia” para expressar, pelo menos assim o entendo, a complexidade de uma degeneração política na qual, sob o capitalismo, as empresas concessionárias de espaços radioeléctricos se transformam em “poderes de facto”, organizadas para submeter governos aos caprichos de negociatas e de interesses usurários. Trata-se de um “poder” que mesmo para a democracia burguesa é aberrante, de um poder que emerge dos votos mas que acaba por os influenciar. Nas palavras do próprio Jorge Saldaña: “O problema não é o facto de a televisão fazer politica... mas o facto de a televisão dominar o próprio núcleo do poder”... “Sistemática vontade de dirigir um povo por meio da imagem e do som”... “Pretendem que a substância do conceito de “mexicano” se transforme na própria substância do conceito de televisão”... “Para que acredites que tudo o que é do México pertence à televisão”... “A televisão pretendeu construir, no México, um povo ao serviço do poder”. A “televicracia” converteu-se, em muito pouco tempo, em bastião estratégico para a ideologia da classe dominante. Fez metástases e é hoje um problema de segurança nacional e internacional.
No conceito de “televicracia”, Jorge Saldaña sintetiza algumas das mais odiosas calamidades ocorridas no México devido ao poder ilegítimo dos monopólios mediáticos enquanto “agentes destruidores de capacidades, tendo em vista criar tolerância perante a corrupção.” Saldaña responsabiliza mesmo a “televicracia” pelo “atraso educativo no México devido em grande parte à TV...”  Quando Saldaña fala da “televisão” generaliza – não sem razão – a odiosa experiência monopolista mexicana e alude ao modelo mercantil de recorte latifundiário que, no México, reina maioritariamente sob o nome de Televisa, mas que não exclui outros modelos, também oligarcas, imitadores, sucedâneos e concomitantes. Para Saldaña, a “televisão”, ou seja, esse modelo empresarial de que padecemos – o que conhecemos -, é a fonte de muitos e terríveis males. Do económico ao cultural e ao ideológico. E não se engana.
A “televicracia” é a negação da democracia em todas as suas definições de classe... é uma ditadura da charlatanice. Sob a égide da democracia burguesa, isto é, sob as condições objectivas de uma sociedade dividida em classes, a ideia de participação “igualitária” no acto de “eleger” é uma falácia. Na democracia burguesa reina a propriedade privada dos meios de produção, a disputa eleitoral entre pandilhas disfarçadas de “políticos” e uma girândola de necessidades sociais manipuladas de mil formas para extorquir e confundir os votantes. Sem o peso perverso da “propriedade privada” a ideia de democracia muda radicalmente. E muda mais ainda se a pensarmos como democracia socialista. A “televicracia” possui uma estrutura completa, e complexa, para garantir e “prestigiar” o poder das classes exploradoras. Produz ilusionismos a granel para tornar invisível a luta de classes e suplantar a própria ideia burguesa de “Governo” eleito, fazendo uso, organizado e sistemático, da violência psicológica contra os povos.
A “televicracia” é uma degenerescência tolerada à força de negociatas... é a existência de um regime único, avassalador, que anula todo o debate ideológico. A “Televicracia” é uma arma de guerra ideológica treinada para reduzir, vulgarizar, ridicularizar e banalizar todos os pensamentos não rentáveis, venham eles donde vierem, marcando bem o seu terreno e impondo os seus estereótipos ideológicos. A “televicracia” habita essas zonas da impunidade comercial onde se instala e para onde volta sempre que é necessário assegurar à “ordem” económica, social e politica capitalista um controle férreo sobre as consciências e os povos. Começando por criminalizar todas as suas lutas emancipadoras e por fazer negócio da criminalização.
“Televicracia” não é apenas um conceito ou uma categoria que sintetiza, brilhantemente, um problema imenso e uma lista de aberrações ideológicas: é um neologismo e uma fonte de luta que exige, a todos nós, compromisso e participação concreta. O Governo da Televisão, ou “televicracia”, assenta em territórios que vão da legalidade porosa à ilegalidade pura e dura. A sua legitimidade política é o seu carácter aberrante. As concessões ou permissões que os governos dão às empresas de televisão não “legalizam” o poder descomunal que delas imana e devem ser suprimidas imediatamente. A influência das empresas televisivas tem impacto na educação, na cultura, no mercado e na estrutura de valores políticos predominantes numa dada época. E, pior ainda, a “televicracia” metamorfoseou-se em partidos políticos encapuzados, dispostos a destruir toda e qualquer expressão de democracia verdadeira, incluindo mesmo o apoio ruidoso a golpes de estado, a desestabilizações de toda a espécie e a assassínios em massa. Patentes e latentes. Vimo-lo com toda a clareza.

[1] Um dos mais ilustres representantes da luta emancipadora nos meios de comunicação social mexicanos. http://www.rebelion.org/noticia.php?id=123386

1 comentário:

Olinda disse...

Que verdades!Abraço