Televicracia
Fernando
Buen Abad Domínguez
Rebelión/Universidad
de la Filosofía
(tradução de
Agostinho Santos Silva)
Jorge Saldaña [1] cunhou o termo “televicracia” para
expressar, pelo menos assim o entendo, a complexidade de uma degeneração política na qual, sob o capitalismo, as
empresas concessionárias de espaços radioeléctricos se transformam em “poderes
de facto”, organizadas para submeter governos aos caprichos de negociatas e de
interesses usurários. Trata-se de um “poder” que mesmo para a democracia
burguesa é aberrante, de um poder que emerge dos votos mas que acaba por os
influenciar. Nas palavras do próprio Jorge Saldaña: “O problema não é o facto de a televisão fazer politica... mas o facto
de a televisão dominar o próprio núcleo do poder”... “Sistemática vontade de
dirigir um povo por meio da imagem e do som”... “Pretendem que a substância do
conceito de “mexicano” se transforme na própria substância do conceito de
televisão”... “Para que acredites que tudo o que é do México pertence à
televisão”... “A televisão pretendeu construir, no México, um povo ao serviço
do poder”. A “televicracia” converteu-se, em muito pouco tempo, em bastião
estratégico para a ideologia da classe dominante. Fez metástases e é hoje um
problema de segurança nacional e internacional.
No conceito de “televicracia”, Jorge Saldaña
sintetiza algumas das mais odiosas calamidades ocorridas no México devido ao
poder ilegítimo dos monopólios mediáticos enquanto “agentes destruidores de capacidades, tendo em vista criar tolerância
perante a corrupção.” Saldaña responsabiliza mesmo a “televicracia” pelo “atraso educativo no México devido em
grande parte à TV...” Quando Saldaña
fala da “televisão” generaliza – não sem razão – a odiosa experiência
monopolista mexicana e alude ao modelo mercantil de recorte latifundiário que,
no México, reina maioritariamente sob o nome de Televisa, mas que não exclui
outros modelos, também oligarcas, imitadores, sucedâneos e concomitantes. Para
Saldaña, a “televisão”, ou seja, esse modelo empresarial de que padecemos – o
que conhecemos -, é a fonte de muitos e terríveis males. Do económico ao
cultural e ao ideológico. E não se engana.
A “televicracia” é a negação da democracia em todas
as suas definições de classe... é uma ditadura da charlatanice. Sob a égide da
democracia burguesa, isto é, sob as condições objectivas de uma sociedade
dividida em classes, a ideia de participação “igualitária” no acto de “eleger”
é uma falácia. Na democracia burguesa reina a propriedade privada dos meios de
produção, a disputa eleitoral entre pandilhas disfarçadas de “políticos” e uma
girândola de necessidades sociais manipuladas de mil formas para extorquir e
confundir os votantes. Sem o peso perverso da “propriedade privada” a ideia de
democracia muda radicalmente. E muda mais ainda se a pensarmos como democracia
socialista. A “televicracia” possui uma estrutura completa, e complexa, para
garantir e “prestigiar” o poder das classes exploradoras. Produz ilusionismos a granel para tornar
invisível a luta de classes e suplantar a própria ideia burguesa de “Governo”
eleito, fazendo uso, organizado e sistemático, da violência psicológica contra
os povos.
A “televicracia” é uma degenerescência tolerada à
força de negociatas... é a existência de um regime único, avassalador, que
anula todo o debate ideológico. A “Televicracia” é uma arma de guerra
ideológica treinada para reduzir, vulgarizar, ridicularizar e banalizar todos
os pensamentos não rentáveis, venham eles donde vierem, marcando bem o seu
terreno e impondo os seus estereótipos ideológicos. A “televicracia” habita
essas zonas da impunidade comercial onde se instala e para onde volta sempre
que é necessário assegurar à “ordem” económica, social e politica capitalista
um controle férreo sobre as consciências e os povos. Começando por criminalizar
todas as suas lutas emancipadoras e por fazer negócio da criminalização.
“Televicracia” não é apenas um conceito ou uma
categoria que sintetiza, brilhantemente, um problema imenso e uma lista de
aberrações ideológicas: é um neologismo e uma fonte de luta que exige, a todos
nós, compromisso e participação concreta. O Governo
da Televisão, ou “televicracia”, assenta em territórios que vão da
legalidade porosa à ilegalidade pura e dura. A sua legitimidade política é o
seu carácter aberrante. As concessões ou permissões que os governos dão às
empresas de televisão não “legalizam” o poder descomunal que delas imana e
devem ser suprimidas imediatamente. A influência das empresas televisivas tem
impacto na educação, na cultura, no mercado e na estrutura de valores políticos
predominantes numa dada época. E, pior ainda, a “televicracia” metamorfoseou-se
em partidos políticos encapuzados,
dispostos a destruir toda e qualquer expressão de democracia verdadeira,
incluindo mesmo o apoio ruidoso a golpes de estado, a desestabilizações de toda
a espécie e a assassínios em massa. Patentes e latentes. Vimo-lo com toda a
clareza.
[1] Um dos
mais ilustres representantes da luta emancipadora nos meios de comunicação
social mexicanos. http://www.rebelion.org/noticia.php?id=123386
1 comentário:
Que verdades!Abraço
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