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(Extrato)
DISCURSO SOBRE A
SERVIDÃO
VOLUNTÁRIA
Étienne de La Boétie
«São, pois, os povos que se deixam
oprimir, que tudo fazem para serem esmagados, pois deixariam de ser no dia em
que deixassem de servir.
É o povo que se escraviza, que se
decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela
falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura
por todos os meios.
Se fosse difícil recuperar a liberdade
perdida, eu não insistiria mais; haverá coisa que o homem deva desejar com mais
ardor do que o retorno à sua condição natural, deixar, digamos, a condição de
alimária e voltar a ser homem?
Mas não é essa ousadia o que eu exijo
dele; limito-me a não lhe permitir que ele prefira não sei que segurança a uma
vida livre.
Que mais é preciso para possuir a
liberdade do que simplesmente desejá-la?
Se basta um ato de vontade, se basta
desejá-la, que nação há que a considere assim tão difícil?
Como pode alguém, por falta de querer,
perder um bem que deveria ser resgatado a preço de sangue? Um bem que, uma vez
perdido, torna, para as pessoas honradas, a vida aborrecida e a morte salutar?
Veja-se como, ateado por pequena
fagulha, acende-se o fogo, que cresce cada vez mais e, quanto mais lenha
encontra, tanta mais consome; e como, sem se lhe despejar água, deixando apenas
de lhe fornecer lenha a consumir, a si próprio se consome, perde a forma e
deixa de ser fogo.
Assim são os tiranos: quanto mais eles
roubam, saqueiam, exigem, quanto mais arruínam e destroem, quanto mais se lhes
der e mais serviços se lhes prestarem, mais eles se fortalecem e se robustecem
até aniquilarem e destruírem tudo. Se nada se lhes der, se não se lhe obedecer,
eles, sem ser preciso luta ou combate, acabarão por ficar nus, pobres e sem
nada; da mesma forma que a raiz, sem umidade e alimento, se torna ramo seco e morto.
Os
audazes, para que obtenham o que procuram, não receiam perigo algum, os
avisados não recusam passar por problemas e privações. Os covardes e os
preguiçosos não sabem suportar os males nem recuperar o bem. Deixam de
desejá-lo e a força para o conseguirem lhes é tirada pela covardia, mas é
natural que neles fique o desejo de o alcançarem.
Esse
desejo, essa vontade, são comuns.»
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