domingo, 19 de fevereiro de 2017

OS RUSSOS!...


As causas da guerra
 (in, "Le Courrier")

A histeria provocada pelos supostos ataques informáticos russos atingiu proporções alucinantes nos Estados-Unidos. Como explicar que a primeira potência mundial, dotada de um orçamento militar dez vezes superior à do seu rival, e que, sozinho ultrapasse todas as outras potências, seja sensível à “ameaça” putiniana ao ponto de colocar o país à beira de um ataque de nervos institucional, e aumentar ainda mais o caos mundial? Há uma causa interna, bem entendido, que põe inesperadamente em cheque a coligação Obama-Mc Cain que se julgava segura de conservar o poder com Hillary Clinton. Depois da segunda presidência de Bill Clinton, forjou-se nos Estados-Unidos uma aliança de facto, entre o establishment democrata por um lado, e os neoconservadores de obediência republicana por outro. O bombardeamento da Sérvia em 1999 selou esse acordo, que nem as aventuras militares calamitosas de Bush Jr, nem os desmentidos elegantes, mas sangrentos, de Obama conseguiram por em causa. Hillary Clinton encarnava a melhor esperança para estes dois campos continuarem o seu business usual, ou seja o prosseguimento de uma hegemonia americana fundada sobre o ‘comércio livre’ sem limites, a abertura das fronteiras e o derrube dos regimes hostis em nome da democracia e dos “valores” ocidentais, o envolvimento dos mediaembedded depois da invasão do Iraque em 2003 – e a mobilização ilimitada de todos os recursos do soft power.
Acontece que a derrota de Hillary veio quebrar este mecanismo bem oleado. Com Trump tornou-se impossível continuar a conivência estabelecida, não obstante as conferências chorudamente pagas pela Wall Street, a venda de armas e de bombas aos aliados subalternos, - França, Arábia-Saudita ou Turquia - com o encargo de as lançar sobre a Líbia, a Síria, o Mali ou o Iémen e ainda a implantação de multinacionais 2.0 e 4.0 pelos quatro cantos do universo. Congregando sob a sua poupa todos os deserdados da mundialização foi de imediato catalogado com a infamante etiqueta de “populismo”, Trump quer ao contrário quebrar o comércio-livre e travar as operações da baixa política de “polícia” mundial. Semeando o pânico no campo dos que aproveitando o sistema com a bendição do espirituoso Obama e a encantadora Michelle. Mas esta histeria também tem uma causa externa tendo em conta as novas posições para com os europeus e as Américas, potências que não partilham esta visão do mundo. A reação terrorista é um exemplo, ela que provém de uma região e de uma religião que se sente humilhada por um século de ingerências desastrosas. A reação chinesa, russa, indiana a que se veio juntar as Filipinas, precedentemente pelas da América Latina, que com manobras mais ou menos legais tendem manter a ordem, como foi o caso na Argentina, no Uruguai, no Brasil ou na Venezuela, entre outros.
Todos estes países há pouco silenciosos e ausentes da sena mediática mundial, reivindicam o seu lugar ao sol. Os seus media, contrariamente aos nossos, encontram-se em pleno desenvolvimento. TV, rádio, jornais e media numérico estão em constante progressão e dão lucro. Abrem escritórios de correspondentes em todo o mundo e lançam canais de info em cadeia, não aceitando servir de relay à vulgata mundial da CNN ou BBC, querendo pelo contrário compartilhar a sua própria visão do mundo, intolerável para os dirigentes políticos e os caciques dos nossos grandes media, habituados a que se beba o seu palavreado sem gaguejar.
Pior, esses media são contestados no seu próprio terreno pelos seus leitores e auditores, que perderam toda a confiança, depois que tomaram posições contrárias à sua própria deontologia e falhando calamitosamente quanto ao Brexit, Trump, Fillon e na capacidade do povo sírio de resistir ao terrorismo islâmico.
O storytelling do bom democrata respeitoso dos direitos do homem e comprometido com a liberdade de expressão, não aceita os que saem dos círculos estreitos do poder europeu e norte-americano. O New York Times, o Washington Post, a BBC, Le Monde e seus associados já não marcam o passo. Ter de se inclinar face aos sucessos de audiência da Rússia Today, é a vergonha suprema, a afronta final, e que o Parlamento Europeu quis lavar adotando uma resolução que restabelecia a censura na Europa!
Para o establishment de Washington, habituado a dominar o planeta desde há vinte anos, compreende-se que a pírula seja amarga.

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