"Vivemos
tempos sombrios"
Raduan Nassar não é o intelectual asceta
que ignora a sociedade onde se insere, Nassar assume o empenho de cidadão viril
que dignifica o intelectual completo.
Em
seu pronunciamento na entrega do Prêmio Camões de literatura, o escritor
critica o golpe, o governo Temer e o STF.
Nassar,
palavras firmes no Prêmio Camões
Às
dez e meia da manhã desta sexta-feira 17, o escritor Raduan Nassar subiu ao palco
montado no Museu Lasar Segall, em São Paulo, para receber o Prêmio Camões de 2016, honraria
concedida pelos governos do Brasil e Portugal e um dos principais
reconhecimentos da literatura em língua portuguesa. Nassar ofereceu à plateia o
seguinte discurso:
Senhor
Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em exercício. Senhora
Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional. Professor
Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.
Saudações
a todos os convidados.
Tive
dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto
unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido
contemplado no berço de nossa língua.
Estive
em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos
portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e
meios acadêmicos lusitanos.
Portanto,
Sr. Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente,
nada é tão azul no nosso Brasil.
Vivemos
tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores
em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino
médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua.
Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.
Com
curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as
tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma
incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo,
atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora
para o Supremo Tribunal Federal.
Os
fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor: contra o
trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais
de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua
escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo
inteiro.
Mesmo
de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo
Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.
Prova
da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias, quando o
ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o pleito de
Moreira Franco.
Citado
34 vezes numa única delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro
privilegiado, a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio
superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e
duas medidas
É
esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado
à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa
democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos
Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi
afastada definitivamente no Senado.
Não
há como ficar calado.
Obrigado.
OBRIGADO,
RADUAN NASSAR!
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