sábado, 31 de dezembro de 2016

CRÓNICA PARA UM FIM DE ANO



CRÓNICA PARA UM FIM DE ANO

“Sem futuro, o presente não serve para
  nada, é como se não existisse.”
J. Saramago (Ensaio sobre a Cegueira)

O presente é de tal forma veloz e o futuro tão fluido que o homem parou o tempo para acertar o relógio. Aguardou que o sol nascesse, fechou os olhos e a terra parou. Pensava que deste modo resolvia o seu porvir, recusando-o simplesmente.

Desde sempre aguardou um ano novo, novo de facto, mas em vão, o ano chegava-lhe sempre sem esperança, vinha a prazo e/ou com recibo verde, cumprindo os Critérios de Convergência que a moeda única lhe impunha.

Este dito “Novo Ano”, se o recebesse com a coletiva histeria, o habitual foguetório, seria mais um ano sem futuro, contratado por cinquenta e duas semanas. Calendário amarrotado e lançado ao lixo.

“Que fazer então?” Pensava o pobre homem sem olhos de realidade.
- Se me aparece sempre já debilitado da viagem, a única solução, a única hipótese, é ir ao seu encontro. O futuro chega sempre atrasado se o esperarmos sentado.

De alento renascido, mesmo sem olhar o relógio, gritou: É a hora!

Pelos anos não se espera, nunca se deve esperar, os anos novos são sempre e só os que nós construímos na caminhada que leva ao seu encontro, só assim os nossos votos deixam de ser desejos, meras intenções, cartões coloridos com frases ocas, palavras em poli-linguismo
estafado, fogo-de-vistas distante e frio.

- Recuso-me a aceitar quaisquer ano-refugo que me queiram impingir. Se nunca me deram nada de jeito a que propósito me entregariam um ano sem defeito, com certificado de garantia ou seguro contra todos os riscos?

No afago do pensamento-calor, sorriu confiante para o Ano Bom, e exaltante exortou a que o acompanhassem:

- Venham, venham comigo para a rua, sim para a rua, não fiquem para ai feitos basbaques engrossando a ala dos que aplaudem sem saber porquê nem para quê um qualquer ano asno.

Venham para a rua exigir o vosso ano de direito, com direito ao emprego, à saúde, ao bem-estar, ao futuro, sem o qual não há presente.

Venham, de coerência firme, fabricar com as vossas mãos um novo ano, construindo-vos a vós mesmos.

Forçados somos a mudar de ano, mas não a renegar os nossos ideais.

Venham amigos, os anos são o reflexo da nossa passividade ou do nosso brio.

Venham! Nós somos o Novo Ano!

2 comentários:

Pata Negra disse...

Por mais que os chames não irão porque a tua voz não é ouvida no seu sentido da audição. Foram ontem porque uns rapazes que jogam bem à bola marcaram um golo de sorte, tornando-se o maior orgulho da pátria, a nossa selecção! Vão hoje, revirão, ver lançamentos de rolhas de cortiça e ouvir foguetes mas não saborearão sequer o calor do vinho nem apanharão canas. Irão amanhã porque vai ser um funeral e pêras, com cobertura em directo pela televisão e onde vão estar todos os maiorais!
Mas quando se trata mesmo deles - isto é contigo! é tua vida! - é como se tivessem vergonha do seu próprio corpo, vergonha da sua condição. Atam as sua próprias mãos, renegam os seus avós, adormecem a sua inteligência e dirão: isso de ir para a rua é coisa de comunistas!
Não companheiro, antes da revolução chegar às ruas terá de ser feita de porta a porta e mesmo assim corremos sempre o risco de ser confundidos com testemunhas de jeová.
Temos em mão um trabalho do caraças pá! Ainda mais sabendo que terá sido uma sorte do caraças eles lerem a tua crónica!
Um abraço e que as tuas passas não sejam do algarve!

Sérgio Ribeiro disse...

Que dois excelentes textos!
O do post e o comentário. Que bem acompanhado me sinto, apesar do trabalho do caraças que temos nós, e os outros que nós somos e nos continuarão.
Bom ano para os dois e todos nós.