Decretos da Comuna de Paris de 1871
Artigo I.
As velhas autoridades de tutela, criadas para oprimir o povo de Paris, são
abolidas, tais como: comando da polícia, governo civil, câmaras e conselho
municipal. E as suas múltiplas ramificações: comissariados, esquadras, juízes
de paz, tribunais etc. são igualmente dissolvidas.
Artigo II.
A comuna proclama que dois princípios governarão os assuntos municipais: a
gestão popular de todos os meios de vida colectiva; a gratuidade de tudo o que
é necessário e de todos os serviços públicos.
Artigo III.
O poder será exercido pelos conselhos de bairro eleitos. São eleitores e
elegíveis para estes conselhos de bairro todas as pessoas que nele habitem e
que tenham mais de 16 anos de idade.
Artigo IV. Sobre o problema da
habitação, tomam-se as seguintes medidas: expropriação geral dos solos e sua
colocação à disposição comum; requisição das residências secundárias e dos
apartamentos ocupados parcialmente; são proibidas as profissões de promotores,
agentes de imóveis e outros exploradores da miséria geral; os serviços populares
de habitação trabalharão com a finalidade de restituir verdadeiramente à
população parisiense o carácter trabalhador e popular.
Artigo V.
Sobre os transportes, tomam-se as seguintes medidas: os ônibus, os trens
suburbanos e outros meios de transporte público são gratuitos e de livre
utilização; o uso de veículos particulares é proibido em toda a zona
parisiense, com exceção dos veículos de bombeiros, ambulâncias e de serviço à
domicílio; a Comuna põe à disposição dos habitantes de Paris um milhão de
bicicletas cuja utilização é livre, mas não poderão sair da zona parisiense e
de seus arredores.
Artigo VI.
Sobre os serviços sociais, tomam-se as seguintes medidas: todos os serviços
ficam sob controle das juntas populares de bairro e serão geridos em condições
paritárias pelos habitantes de bairro e os trabalhadores destes serviços; as
visitas médicas, consultas e assistência médica e medicamentos serão gratuitos.
Artigo VII.
A Comuna proclama a anistia geral e a abolição da pena de morte e declara que a
sua acção se baseia nos seguintes princípios: dissolução da polícia municipal,
dita polícia parisiense; dissolução dos tribunais e tribunais superiores;
transformação do Palácio da Justiça, situado no centro da cidade, num vasto
recinto de atracção e de divertimento para crianças de todas as idades; em cada
bairro de Paris é criada uma milícia popular composta por todos os cidadãos,
homens e mulheres, de idade superior a 15 anos e inferior a 60 anos, que
habitem o bairro; são abolidos todos os casos de delitos de opinião, de
imprensa e as diversas formas de censura: política, moral, religiosa etc; Paris
é proclamada terra de asilo e aberta a todos os revolucionários estrangeiros,
expulsos [de suas terras] pelas suas idéias e acções.
Artigo VIII.
Sobre o urbanismo de Paris e arredores, consideravelmente simplificado pelas
medidas precedentes, tomam-se as seguintes decisões: proibição de todas as
operações de destruição de Paris: vias rápidas, parques subterrâneos etc;
criação de serviços populares encarregados de embelezar a cidade, fazendo e
mantendo canteiros de flores em todos os locais onde a estupidez levou à
solidão, à desolação e ao inabitável; o uso doméstico (não industrial nem
comercial) da água, da eletricidade e do telefone é assegurado gratuitamente em
cada domicílio; os contadores são suprimidos e os empregados são colocados em
atividades mais úteis.
Artigo IX.
Sobre a produção, a Comuna proclama que: todas as empresas privadas (fábricas,
grandes armazéns) são expropriadas e os seus bens entregues à colectividade; os
trabalhadores que exercem tarefas predominantemente intelectuais (direção,
gestão, planificação, investigação etc.) periodicamente serão obrigados a
desempenhar tarefas manuais; todas as unidades de produção são administradas
pelos trabalhadores em geral e diretamente pelos trabalhadores da empresa, em
relação à organização do trabalho e distribuição de tarefas; fica abolida a
organização hierárquica da produção; as diferentes categorias de trabalhadores
devem desaparecer e desenvolver-se a rotatividade dos cargos de trabalho; a
nova organização da produção tenderá a assegurar a gratuidade máxima de tudo o
que é necessário e diminuir o tempo de trabalho. Devem-se combater os
gastadores e parasitas. Desde já são suprimidas as funções de contramestre,
cronometrista e supervisor.
Artigo X.
Os trabalhadores com mais de 55 anos que desejem reduzir ou suspender sua
atividade profissional têm direito a receber integralmente os seus meios de
existência. Este limite de idade será menor em relação a trabalhos
particularmente custosos.
Artigo XI. É abolida a escola
“velha”. As crianças devem sentir-se como em sua casa, aberta para a cidade e
para a vida. A sua única função é a de torná-las felizes e criadoras. As
crianças decidem a sua arquitetura, o seu horário de trabalho e o que desejam
aprender. O professor antigo deixa de existir: ninguém fica com o monopólio da
educação, pois ela já não é concebida como transmissão do saber livresco, mas
como transmissão das capacidades profissionais de cada um.
Artigo XII.
A submissão das crianças e da mulher à autoridade do pai, que prepara a
submissão de cada um à autoridade do chefe, é declarada morta. O casal
constitui-se livremente com o único fim de buscar o prazer comum. A Comuna
proclama a liberdade de nascimento: o direito de informação sexual desde a
infância, o direito do aborto, o direito à anti-concepção. As crianças deixam
de ser propriedades de seus pais. Passam a viver em conjunto na sua casa (a
Escola) e dirigem sua própria vida.
Artigo XIII.
A Comuna decreta: todos os bens de consumo, cuja produção em massa possa ser
realizada imediatamente, são distribuídos gratuitamente; são postos à disposição
de todos nos mercados da Comuna.
Extraído da Introdução do livro Escritos sobre a Comuna de Paris
Seleção e tradução de Osvaldo Coggiola (professor do
Departamento de História da Universidade de São Paulo e militante na Associação
Nacional dos Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional, ANDES-
2 comentários:
Legislou-se mais a favor dos de baixo,em poucos dias,do que séculos que precederam à Comuna de Paris!Abraço
Boa divulgação. Obrigado!
Enviar um comentário