quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Boas-Festas de punho erguido

 

 

 

«Não há nada isento das revoluções, e alterações do mundo; tudo nele se muda, porque tudo se move; por isso a firmeza é violenta, ao mesmo tempo que a inconstância é natural.»

Matias Aires

O mundo está uma arrastadeira, um caneco onde me recuso a viver de braços caídos. Prometo-te amigo, cidadão, camarada que lutarei até ao fim pela reconquista da dignidade usurpada, pela justiça onde o ser humano seja o sujeito das nossas preocupações, o objeto e o objetivo das nossas vidas, para que um dia possamos desejar as boas-festas sem o terror da incerteza a esmagar os nossos sonhos.

Cid Simões 

O medo aí está: frio e amorfo como a angústia. O que poderia ser um excelente pretexto para manifestarmos os nossos profundos sentimentos, e solidariedade atuante, não vai além da ladainha habitual, despersonalizada, frouxa, sem alma. Boas-festinhas nha-nha-nhá, com o mesmo jerico e as receitas requentadas do costume, servidas em inglês, francês, espanhol, alemão, pois claro, cirílico, árabe e japonês que, pela grafia, se depreende.

 

Este ano o meu bilhete de boas-festas será ilustrado com um bispote. O vaso em questão, bacio, doutor ou penico, deixo o vocábulo ao vosso gosto, é o símbolo mais eloquente da civilização e do momento histórico que estamos vivendo.

Provocação, insensibilidade, mau gosto?

Provocação seria enviar-vos as boas-festas sem esboçar um gesto de revolta face aos crimes que, neste preciso momento, estão a ser cometidos ou cooperar na farsa dos que, para alijar a conscienciazinha, deixam à saída do supermercado uns baguitos de arroz, um pacote de bolacha-maria e a alma aliviada.

Insensibilidade seria também não corar de vergonha ao assistir a peditórios para “dar de comer a quem tem fome”. Fome, artimanha do destino, espécie de flagelo incontrolável, catástrofe natural ou crime contra o qual se esgrima com pipocas, coca-cola e uns torrões de açúcar, sem que, por cobardia intelectual, física, social ou pela cómoda inércia que usa óculos fumados não coloca a questão essencial: Porquê a fome?

Mau gosto era ignorar ou banalizar a clássica questão de Garrett: “quantos pobres são necessários para fazer um rico?” Quando é sabido que um só homem, pode possuir uma fortuna superior a mais de uma dezena de países do dito terceiro mundo, países onde morrem à fome milhões e milhões de crianças e, face a este genocídio, friamente organizado, à porta dos supermercados, deixar-lhes uns brinquedos, saquinhos de rebuçados e algum dó, por ser mais cómodo do que gritar: assassinos! ou ir para a rua alertar para o crime e dizer onde se encontram os seus algozes!

Com o óbolo pio, um pacotito de bolacha-maria, por exemplo, seguem confortadas as boas almas a tempo de não perder o fio às telenovelas que limitam as preocupações, o raciocínio e a inteligência, no casulo morno do doce lar. Se a fome algum dia também lhes bater à porta… logo se verá!

Tão-pouco se apercebem que o óbolo oprime, despersonaliza e ofende quem o recebe, deixando no “benfeitor” o rasto bolorento de gestos a esconder.

Provocação ainda seria desejar boas-festas, a seco, aos desempregados cujo pão não lhes chega à mesa e o acesso a medicamentos, transportes e outros bens essenciais lhes estão vedados, os compromissos fixos aumentam e o trabalho precário continua.

 

A realidade impõe a mudança pela qual lutamos: uma sociedade SOCIALISTA!